O Deus Caído
Quarta Parte
Quando Kröll despertou, Natalie já não se encontrava ao seu lado. Um cheiro delicioso vinha de fora do quarto, por isso levantou-se e andou até à cozinha, onde a viu sentada à mesa com vários bolos pequenos lá em cima.
- Pequeno-almoço? – Perguntou, aparecendo por trás dela e dando-lhe um beijo na bochecha.
- Sim, fui à pastelaria ali no fim da rua. Dormiste bem?
- Sonhei com algumas coisas estranhas…
- Estiveste inquieto toda a noite, calculei que estivesses com pesadelos.
Kröll assentiu e ocupou uma cadeira ao lado dela. Comeram num clima íntimo e alegre, e depois decidiram ir dar um passeio pois Natalie apenas teria aulas de tarde. Estavam no parque, a olhar o céu, quando os olhos de ambos se arregalaram ao verem o que parecia ser um cometa a aproximar-se da Terra a uma velocidade fora do normal. Segundos depois, esse mesmo corpo vinha na direcção dos dois.
- Foge! – Disse Kröll, apesar de não haver tempo para tal.
Baixaram-se os dois e o Deus abraçou Natalie com força enquanto ela fechou os olhos. Ouviu-se um grande estrondo, a terra tremeu, mas eles continuaram intactos. Ao abrirem os olhos viram-se dentro de uma pequena cratera, e à frente dos dois estava um homem. Homem? Talvez não fosse a melhor palavra para o descrever.
- Quem és tu? – Perguntou Kröll, enquanto se levantava e ajudava Natalie a fazer o mesmo.
Zohrtha soltou uma gargalhada, e Natalie franziu as sobrancelhas ao ver a vestimenta dele. Tinha um fato de guerra, em tons de preto e cinzento, como se de um uniforme se tratasse. Tinha os cabelos negros apanhados num longo rabo-de-cavalo e ao cinto trazia uma espada. Kröll, ao observar também aquilo, sentiu uma dor enorme na cabeça e viu-se a si mesmo com uma vestimenta idêntica, porém com uma capa vermelha a adicionar. Depois desse rápido flash, a dor passou.
- Eu perguntei quem eras! – Gritou, para o outro.
- Olhem para ele – murmurou Zohrtha que, ao tirar a espada da bainha, fez com que um enorme vento se levantasse e todas as pessoas que assistiam àquilo caíssem – Um poderoso Deus… reduzido a nada.
Kröll voltou a elevar-se, deixando desta vez Natalie no chão, que assistia a tudo de um modo incrédulo.
- Do que falas? Não percebo o que dizes.
De novo Kröll sentiu uma picada no cérebro, e desta vez viu um palácio majestoso, o Solar Divino. Viu depois a figura de seu pai, Kamikamikan, aprisionado pelo filho mais velho.
Zohrtha dirigiu a sua atenção a Natalie, enquanto Kröll tinha o olhar vazio e os pensamentos a viajar por si.
- Bonita, a tua humana – murmurou, despertando-o daquela espécie de transe – Inútil e fraca, mas bonita.
Natalie engoliu em seco.
- Deixa-a em paz – exigiu Kröll.
- Vou-a matar primeiro… só para ter um pouco de diversão…
Assim que Zohrtha ergueu a espada na direcção de Natalie, a adrenalina, ou o medo, ou a vontade de a proteger, fizeram com que todas as memórias retornassem ao corpo de Kröll ao mesmo tempo, fazendo-o agir de imediato. Zohrtha ia deixar cair a arma na mulher, mas Kröll pôs-se à frente e parou-o apenas com as duas mãos a agarrar na lâmina.
- Sai daqui Natalie! – Mandou, ao que ela obedeceu ao rastejar para um pouco mais longe.
Kröll deitou um pequeno grito e empurrou a espada do outro, fazendo-o recuar alguns passos, surpreendendo-o.
- Zohrtha – cuspiu o nome.
Zohrtha engoliu em seco.
- Então lembras-te – deduziu, antes de começar de novo a batalha.
Assim que Kröll fez o primeiro ataque as suas vestes mudaram. Passou a exibir um fato similar ao de Zohrtha, porém com uns botões a dourado e a capa vermelha, e umas botas nos pés. O coração de Natalie falhou uma batida, e ficou de queixo caído.
A luta prosseguiu, até que o Deus conseguiu retirar a espada ao guerreiro e o trespassou sem mais nenhum pensamento. Antes de Zohrtha se transformar em pó, Kröll meteu-lhe a mão nas vestes e tirou a única coisa que precisava para regressar para casa. A Pedra Lunar. Uma pedra redonda e amarela que permitia a viagem entre planetas. Retirou-a de dentro do uniforme do oponente mesmo antes de este se desvanecer. Ficou depois poucos segundos parado, ainda a assimilar tudo o que tinha acabado de acontecer, e depois apertou a pedra com a mão e voltou-se para ver uma Natalie sentada no chão, boquiaberta, sem reacção.
Caminhou até ela e ajudou-a a levantar-se, pondo-os frente-a-frente.
- Isso… e depois… e ele… Como…? - Natalie estava completamente desnorteada.
- Agora lembro-me – proferiu Kröll, agarrando nas mãos dela e apertando-as com força – Chamo-me Kröll, e venho de um planeta chamado Suptka. Sou um Deus. O meu planeta está em guerra, e fui mandado para aqui pelo meu irmão, para não poder combater contra ele.
Natalie olhava incrédula para ele. Aquilo parecia tão absurdo, tão ridículo, e no entanto tinha acabado de assistir àquela luta inexplicável. Não havia outra explicação possível além da que o Deus lhe oferecia. Nem toda a ciência no mundo poderia explicar o que ali se passara.
- És um Deus – constatou ela – Não posso acreditar.
Kröll ficou com uma expressão penosa na face.
- Tenho que regressar – afirmou, com mágoa, mostrando a pedra a Natalie – Isto pode-me levar a casa. Basta pensar para onde quero ir e poucos segundos depois estou lá.
Ela engoliu em seco. Nenhum conto de fadas dura para sempre, especialmente quando a protagonista é ela.
- Vou voltar a ver-te? – Limitou-se a perguntar, com um nó na garganta.
- Eu volto por ti. Depois da guerra, volto por ti. Prometo – prontificou-se logo ele – Até lá, sempre que sentires que estás só, olha para as estrelas e eu vou brilhar mais que nunca. O meu pensamento estará sempre contigo.
Natalie assentiu e Kröll, seguindo um impulso, beijou-a de modo apaixonado já a pensar nas saudades que sentiria dela.
- Obrigado – agradeceu – Por tudo o que fizeste, e por me teres ensinado que há coisas mais importantes que guerras. Tenho que voltar para o meu povo, tenho que os libertar para que possam ser reinados com justiça. Obrigado, Natalie. Eu amo-te.
Ela nada disse, apenas sorriu. Kröll apertou bem a pedra e desejou com todas as suas forças estar em Suptka. Aos poucos começou a ficar sem cor, e foi nessa altura que a abraçou pela última vez para, no segundo seguinte, desaparecer e seguir para o seu planeta natal. Uma lágrima escorreu pelo rosto de Natalie, ainda sem ela tomar conhecimento de que o Deus tinha deixado algo para trás além de saudade: a Pedra Lunar, deixada no seu bolso do casaco, naquele último abraço.
- Também te amo – jurou ela, baixinho, enquanto olhava o céu.
Então... que acharam?