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O Amor na Porta à Frente

por Andrusca ღ, em 05.11.12

Capítulo 11

A Escola Primária

  

A escola primária estava pior do que Evelyn pensava. Aparentemente tinha tido uma infiltração e a água tinha dado cabo de algumas paredes de algumas das salas de aula. Não estava com um aspecto nada bonito e, apesar de já andarem a trabalhar nela há uma semana e picos, ainda era preciso arranjá-la melhor, incluindo o letreiro que lhe dava o nome.

Doug e ela chegaram lá cedo, e encontraram Wren e os outros já a trabalhar. Evelyn percebeu logo o olhar de desaprovação que Doug lhe dera ao vê-la de calças justas, saltos altos e um casaco vermelho demasiado bonito para estragar. Em todos os trabalhos beneficentes em que já tinha trabalhado, sempre foram do género de festas, de compras e vendas, de bater às portas. Não estava habitada a “sujar as mãos”. Podia usar a desculpa de ser uma mulher, mas Maura também lá se encontrava e trabalhava o melhor que podia. Também Steve e Theresa tinham chegado há poucos minutos. Parecia que metade da cidade estava ali para ajudar. Até a pequena Lola conseguia ajudar de algum modo, mesmo que fosse apenas a passar ferramentas.

- O que posso fazer para ajudar?

- Sinceramente? Não empatar.

- Doug! Eu sou médica, por amor de Deus.

- Se alguém tiver um ataque, telefono-te.

- Não… quer dizer que sou boa com as minhas mãos.

- Boneca, eu sei que és boa com as mãos… mas queres mesmo trocar a tua bela roupa Channel e os teus sapatos finórios para pintares uma escola? Sê honesta contigo mesma, estás fora do teu ambiente.

- Não sou assim tão inútil como achas!

- Tens mesmo a certeza que queres fazer isto? – Perguntou-lhe Doug, que estava um pouco apreensivo.

- Sim, claro… o que pode correr mal? – Muita coisa, de facto.

Primeiro Evelyn não conseguiu agarrar bem o escadote e Doug quase caía lá de cima; em seguida ia torcendo um pé devido aos saltos e, para não cair para o chão, agarrou-se a um dos homens que lá estavam, fazendo-o derrubar duas latas de tinta que ficou espalhada pelo chão; como se não bastasse, tropeçou num pedaço de madeira e fez que uma das outras senhoras que lá estavam se desequilibrasse. Maura e Theresa olhavam-na de lado e pensavam em como podia ser tão desajeitada, enquanto ela se sentia mais envergonhada que nunca. Não tardou até Lynn lhe pedir, gentilmente, para ir embora.

Teve então outra ideia: se não ia poder ajudar nos trabalhos físicos, então podia ao menos tentar dar-lhes uma melhor condição de trabalho. Podia facilitar-lhes um pouco as coisas. Por isso, no caminho para a casa, passou numa pequena mercearia e comprou os ingredientes necessários para fazer biscoitos e limonada.

No dia seguinte levou-os, quando eram quatro da tarde, à escola. Estava tudo a correr bem, os seus biscoitos eram um sucesso e todos estavam a gostar de beber algo fresco como a limonada.

- Não sabia que conseguias cozinhar tão bem – elogiava Doug.

- Estão incríveis! – Dizia Maura.

- Deliciosos, de facto – Era a opinião de Steve.

Porém o seu momento de brilho escureceu quando Wren começou a ficar sem ar e foi forçado a ir levar uma injecção à clínica local. Doug e Evelyn foram com ele, deixando os outros a trabalhar, e a médica estava-se a sentir péssima.

Quando ele saiu de dentro do consultório, já a andar normal e sem estar todo vermelho, ambos respiraram de alívio.

- Lamento tanto, Wren… - disse ela.

- Nozes, hum? A minha fraqueza – brincou ele – Não faz mal, a culpa não foi tua.

Apesar de Wren ter dito isso, nos dias seguintes Evelyn foi falada na cidade como “a rapariga que ia matando o pobre Wren” ou “aquela que lhe causou uma reacção alérgica”. Como se estivesse, a todo o custo, a tentar impedi-los de acabar de construir aquilo para as crianças. Como se estivesse a sabotar aquele trabalho.

Ficou, desde aí, proibida de se aproximar daquela escola. Choveu bastante nessa noite, e dia, o que atrasou ainda mais os planos. Mais quatro dias passaram, e dia após dia Evelyn ficava fechada naquela maldita casa com a televisão ligada.

- Isto é ainda pior do que se tivesse ficado em Nova Iorque… agora ainda sinto mais saudades do Grayson, da minha mãe… malvados médicos, se me tivessem deixado ficar na clínica nada disto estava a acontecer! Que nervos! E depois aqui estou eu, presa nesta casa, porque todas as pessoas da terrinha acham que sou desajeitada e que não consigo fazer nada de jeito. Mas isso não é verdade… estou a dar o meu melhor, não estou? – Evelyn encontrava-se sentada num sofá, de frente para Donald, que estava no outro. O pato fez um “quác quác” e os olhos dela iluminaram-se – Achas mesmo? Se calhar tens razão, se calhar podia-me esforçar mais… talvez esteja um pouco stressada… Sim, tens razão, eu sou uma grande médica de Nova Iorque! Se não conseguir ajudar a pintar uma maldita escola, mal de mim! Obrigado Donald… acho… - e então deu conta de que estava a falar para um pato e abanou a cabeça – que estou a perder o juízo.

O seu telemóvel começou a tocar nessa altura e ela sorriu ao ver que se tratava de Lizzie.

- Tira-me deste inferno! – Implorou assim que atendeu. A outra riu-se.

- “Isso está assim tão mau?” – Em pouco tempo Evelyn resumiu-lhe tudo o que se estava a passar – “Porque é que o Grayson acabou tudo contigo? Porque se queria conhecer melhor, não foi? A tua vida inteira sempre andou à volta dele e da medicina, e agora não tens nenhum aí contigo. Acho que devias fazer o mesmo que ele… descobre outras coisas em que sejas boa, dá o teu melhor em tudo… se achas que consegues ajudar nessa escola, não desistas”.

Falaram por mais algum tempo, e então toda a família chegou e foram jantar para depois irem dormir. Assim que caiu na cama, Doug adormeceu. Mas Evelyn passou a noite inteira a pesquisar coisas no computador. No dia seguinte, à tarde, foi até à única loja de roupa de lá e comprou umas jardineiras de ganga, uma blusa simples e uns ténis. A noite tinha voltado a chegar quando começou a chover. Ao ouvir a chuva a bater no telhado, Evelyn levantou-se e lembrou-se de que Doug tinha comentado que, se chovesse esta noite, a pintura da placa da escola ficaria desfeita e que provavelmente, uma das salas que tem a janela partida, ficaria inundada. Pensou em acordar toda a gente, mas eles já estavam todos tão cansados… Levantou-se rapidamente e vestiu as jardineiras, a blusa e os ténis. Ia a sair quando viu um chapéu-de-sol, daqueles bem grandes que se levam para a praia, encostado ao canto da dispensa, cuja porta estava mal fechada. Agarrou nele e começou a correr pela estrada abaixo, ficando encharcada. Ao chegar à escola espetou o chapéu-de-sol ao lado da placa que dizia “Escola Primária”, pintada de fresco, e correu para o interior das instalações. Acendeu uma das lanternas lá deixadas e apressou-se a chegar à sala com a janela partida, pela qual já entrava alguma água. Colocou um plástico à frente e colou as pontas à parede, para que não se desprendesse. Em seguida olhou em volta e suspirou. Viu um pedaço de madeira grande o suficiente para cobrir o espaço da janela e começou a pensar. Já tinha ouvido comentários lá na casa de que não havia dinheiro para uma nova janela, por isso tinham que a tapar. Viu as tintas a uma ponta da sala, juntamente com pincéis, e foi pegá-las e acender a luz de cima. Depois de limpar o chão molhado, sentou-se nele e começou a inovar. Aquela placa de madeira iria tapar a janela e, para o lado da rua, pintou a figura de uma janela fechada, e para o lado de dentro pintou um dia solarengo. Deixou depois a placa a secar e, entretanto, parou de chover.

Foi para as outras salas, e a maior parte delas já apenas precisava de serem organizadas e limpas, e foi mesmo isso que Evelyn fez, enfeitando com umas pinturas nuns sítios e noutros para dar um ar mais alegre.

Ao ver que a chuva já tinha cessado, regressou à sala da janela partida e retirou-lhe as portadas. Posicionou a placa de madeira no sítio certo e aparafusou-a à parede com a ajuda das ferramentas que já lá estavam. Deu mais uns retoques. Algumas horas depois, a escola estava praticamente terminada, e Evelyn adormeceu no chão frio.

 

 

Doug acordou por volta das oito horas, e deu pela falta da médica. Perguntou a todos se a tinham visto, telefonou-lhe, mas nada. Foram todos para a escola, e lá encontraram a multidão habitual que, ao contrário do normal, não estava a trabalhar. Estava dentro daquela sala, a ver a rapariga a dormir no chão.

- O que…?

- Parece que passou aqui a noite – comentou uma das senhoras, com Doug – Pobrezinha, deve estar esgotada.

- Isto está lindo… - elogiou Lynn – Ela também deu um toque nas outras salas… e impediu a placa da entrada de se molhar…

Doug riu-se e revirou os olhos.

- É maluca – murmurou, entre dentes, antes de se aproximar dela e de a começar a abanar levemente – Acorda, bela adormecida – Evelyn começou a abrir os olhos lentamente e ele ajudou-a a levantar-se – Anda lá, vou levar-te para casa. Pareces precisar de descanso.

Ao saírem, passaram pelos pais dele, e ela forçou-o a parar.

- Desculpem por ter trazido o vosso chapéu-de-sol – disse-lhes. Theresa riu-se.

- Não faz mal. Desculpa por te termos julgado cedo demais… - disse-lhe.

- Não faz mal… também o fiz. Mas afinal… vocês vivem com um pato.

Todos se riram, e então sim Doug levou-a para casa.

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