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O Véu entre Mundos

por Andrusca ღ, em 01.09.11

"A casa estava com um brilho diferente. Havia velas acesas, e paus de incenso a arder, trabalhando para construir um ambiente mais descontraído. Dianne estava sentada no sofá, impacientemente, a bater com o pé no chão repetidas vezes. Olhei em volta, ela estava sozinha. Aproximei-me dela e tentei chamá-la, mas não me podia ouvir. A campainha tocou. Ela levantou-se e foi abrir, e eu segui logo atrás. Atrás da porta estava uma mulher com um cabelo curtinho, que pela cara que Dianne fez, não era de quem estava à espera.

- Quem é você? – Perguntou ela. Mas a mulher não lhe respondeu. Em vez disso abanou a cabeça e Dianne adoptou uma postura assustada – Não faça nada, eu tentei parar, tentei. Mas amo-o.

- Mas ele devia amar-me a mim – proferiu a mulher, antes de levar a sua mão à sua enorme mala preta e de lá tirar uma pequena pistola, que apontou a Dianne – Esse é o preço que pagas por ser uma amante – Dianne começou a correr pelo corredor, e eu desviei-me para a deixar passar, mas quando aquele barulho ensurdecedor surgiu, começou a tropeçar nos próprios pés e a cambalear, caindo para a frente. A visitante deu meia dúzia de passos para dentro da casa, perante o meu olhar de pânico, e Dianne voltou-se no chão, para a encarar. Deu um último semblante a uma fotografia que tinha em cima da cómoda, e então mais dois tiros soaram. A mulher voltou a esconder a arma, toda ela tremia, mas o mal estava feito. Correu para fora da casa, e eu corri para Dianne. Ajoelhei-me perante ela e vi a vida fugir-lhe dos olhos. Pude sentir a sua dor, a tristeza de partir para sempre. Pude sentir ainda o sabor ferrugento do sangue a ir-lhe para a boca, e a escorrer em seguida para o chão."

 

Capítulo 3 (parte 3)

A Ajudante

 

 

Acordei do transe como se tivesse acabado de correr a maratona. O meu coração palpitava a mil à hora, e ainda conseguia sentir o sabor do sangue na minha boca. A imagem de Dianne apareceu à minha frente. Estava pálida, e tinha marcas de sangue ao longo do tronco. Olhava-me com um semblante triste, e eu nem lhe consegui dizer nada. Estava a ver tudo a andar à volta. Estou habituada a ser levada para lugares distantes pelos fantasmas, a viajar entre memórias, mas a maneira como regresso difere na maior parte das vezes. Algumas vezes é como se nunca tivesse acontecido; outras, é como se a morta fosse eu.

- Faz justiça – pediu-me apenas, enquanto começava a desaparecer, perante o meu olhar.

Quando consegui voltar a recuperar o fôlego, dei poucos passos até à cómoda que tinha aparecido na minha visão, e agarrei na moldura que lá poisava. Era um homem, claramente mais velho do que ela. Provavelmente o marido da mulher que a executou.

Trouxe a moldura comigo e saí da casa, dirigindo-me ao carro onde Rick e Kohl estavam encostados.

- Eu começaria por este homem – afirmei, entregando a moldura a Rick – E especialmente pela sua mulher, que com sorte, não vai ter nenhum álibi.

- Mas já os investigámos – interpôs-se Kohl, que me olhou desconfiado – A mulher ficou chocada quando descobriu que o homem estava a ter um caso, ela não saberia.

- Ela sabia – afirmei – Vejam se por acaso eles possuem uma arma pequena, e se foi disparada recentemente. Se tiverem, posso garantir que as balas vão coincidir com as do corpo.

- Quem és tu? – Perguntou ele, de olhos arregalados.

- Neste momento? – Perguntei – A pessoa que só quer chegar a casa e deitar-se na cama. Anda lá Rick, és a minha boleia.

Ao contrário do combinado, não fui para casa. “Isto é o que dá fazer acordos com gente do FBI”, reclamei apenas para mim. Fui para o prédio do FBI, onde passei quase duas horas a ver Rick e Kohl a interrogarem a mulher que eu tinha visto matar Dianne. E após vário suor e lágrimas falsas, ela admitiu. Finalmente pôs o pé na argola e foi forçada a admitir.

Kohl e Rick disseram que iam fechar o caso amanhã, e que como já era quase meia-noite iam beber uns copos, por isso saí juntamente com eles do FBI. Como iam sair os dois, decidi não maçar Rick ao fazê-lo levar-me a casa, por isso disse-lhes que ia apanhar um táxi.

- Ei Nicole! – Ouvi chamar, quando já tinha andado um pouco e me encontrava afastada deles. Era Kohl quem falava – Queres ir beber um copo?

Sorri-lhe e respirei fundo.

- És tu a pagar? – Perguntei.

- Não sei, respondo-te depois – disse ele.

Assenti com a cabeça e eles levaram-me até um bar com um aspecto bastante bom, na verdade. Estava bem decorado, e não tinha mau ambiente. Pedimos os três cervejas, e ficámos à conversa por um bocado.

- Não sei como o fizeste, mas graças a ti o caso está fechado – disse Kohl, levantando a cerveja para que lhe batêssemos com as nossas – Nicole Conrad, desculpa ter sido um tosco contigo – e pela primeira vez, o tipo mostrou-me um sorriso verdadeiro.

- Nikki – corrigi – Rick, Kohl, é Nikki.

- Nesse caso, é Marty – disse Marty Kohl, sorrindo-me de novo – Bem, está a ficar tarde. Amanhã é um novo dia. Talvez te veja em breve… Nikki.

- Então e tu, vais para casa? – Perguntou-me Rick.

- Sim, vou apanhar um táxi – respondi.

- Eu vou a pé, é perto – disse ele, sorrindo – Há uma praça de táxis lá ao pé, se quiseres vir.

- Claro.

Marty pagou as cervejas e depois foi no seu carro para casa, enquanto eu e Rick começámos a caminhar me direcção à casa deste, que tinha os táxis ao pé.

- Queres repetir isto? – Perguntou ele.

- Repetir o quê? – Perguntei.

- Ser a minha ajudante. Sim… e se quiseres posso arranjar uma maneira do FBI te pagar, ou algo assim… não gostaste de fazer justiça?

Comecei a pensar. Contactos no FBI são bastante bons. Mas não para o que ele pensa.

- Sabes que mais? – Perguntei – Eu ajudo-te nisto, se me ajudares noutra coisa.

- No quê?

- A encontrar o meu irmão.

Ele parou e tocou-me no braço, fazendo-me parar também. Parecia confuso, apanhado de surpresa.

- Ele desapareceu? – Perguntou.

Suspirei e sentei-me no banco de madeira que tínhamos atrás, e ele imitou o meu gesto. Ia ter que lhe contar a história.

- No dia em que desapareci… bem, algo aconteceu. A minha mãe foi às compras e a ama devia estar a chegar, por isso eu e o meu irmão ficámos sozinhos. Ele estava no seu quarto, e eu ouvi-o gritar, e coisas a partirem-se. E depois a casa começou a tremer. Não me lembro bem. Lembro-me do pânico, do medo… de qualquer maneira, fui ao quarto dele e vi umas figuras ao pé dele. Estavam distorcidas e não as consegui ver bem, mas sei que estavam lá. As janelas estoiraram, e os alarmes dos carros ficaram malucos. E eu gritei. Gritei em plenos pulmões. As formas fizeram um cerco à volta dele e sussurraram várias coisas que não consegui compreender. E de súbito, desapareceram, levando-o com elas. No lugar em que estavam antes começou a aparecer uma chama, que originou um pequeno fogo que não chegou a fazer muitos estragos.

- Não tinha ideia – murmurou ele.

- Eu fui levada para a esquadra. Lembro-me de estar confusa, e a chorar… e depois vi a minha mãe a entrar, com uma cara devastada e lavada em lágrimas. Corri até ela, e quando a ia abraçar, ela passou directamente por mim. Não lhe consegui tocar. Ela morreu, a vir para casa, num acidente de carro. Foi o primeiro fantasma que vi nitidamente.

- Nikki…

- De qualquer maneira, não sei o que levou o meu irmão, mas sei que a polícia parou de o procurar rapidamente. Alguns dos polícias começaram a ficar loucos, eles… acharam que o caso estava assombrado, por isso desistiram. Eu quero encontrá-lo Rick. Ele é meu irmão, preciso de o encontrar.

Ele assentiu com a cabeça, ainda claramente atordoado pelas recentes descobertas.

- Claro – afirmou –, vou ver o que posso fazer.

Rick acompanhou-me até aos táxis e depois foi cada um para o seu lado. Ainda não conseguia acreditar que lhe tinha contado tudo. Nunca contei isto a ninguém. De facto, acho que nunca sequer o tinha dito em voz alta. Era como se não o dissesse, não era real. Mas não é assim que funciona. É real, e se eu quero chegar a uma conclusão sobre este assunto, preciso de ajuda. E ele pode dá-la. Com sorte.

O táxi deixou-me à porta de casa, e após pagar ao taxista, segui para ela. Outra noite com os fantasmas, sinceramente já me sinto a começar a rebentar, vou dar em louca.

Assim que abri a porta ouvi um pequeno ruído e um objecto a voar na minha direcção. Só tive tempo de me baixar e deixar que o prato batesse na parede em vez de em mim, desfazendo-se em bocadinhos.

- Já chega – murmurei, endireitando-me. Isto ia acabar, agora – Vocês, lunáticos, indisciplinados, e estúpidos mortos vão sair da minha casa agora mesmo! Vão parar com os barulhos, vão parar de reorganizar a mobília, vão parar com tudo! Estamos entendidos?! Porque se não pararem, eu juro por tudo que arranjo uma maneira de atravessar esta linha que divide o mundo dos mortos e o mundo dos vivos e dou-vos um pontapé tão grande a cada um que até vos vai fazer sentir que estão vivos outra vez!

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