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O Véu entre Mundos

por Andrusca ღ, em 05.09.11

Capítulo 5 (parte 1)

Investigação

 

Passou-se outra semana. A diferença é que agora já tenho qualquer sítio por onde começar a procurar respostas para aquilo que aconteceu ao meu irmão, graças ao Rick. Hoje é a folga dele, e prometeu-me passar cá por casa para me ajudar a dar uma vista de olhos pela pasta do caso. Como se eu já não a tivesse lido de trás para frente ou se cima para baixo. Da primeira vez que a abri senti um arrepio, mas acho que é normal, estava nervosa. Vi um monte de fotografias, relatórios, e os nomes dos polícias que trabalharam no caso, juntamente com as informações do meu irmão, as notas da investigação, os apontamentos das pistas, declarações. E no entanto, no meio de tanta coisa, nunca me senti tão perdida como no momento em que comecei a observar tudo. Não consigo saber por onde começar. Não consigo evitar de me perguntar se vou no caminho certo ou se devo voltar atrás. Mas Rick disse-me que a base de todas as investigações é a maneira como o investigador interpreta o que lhe é dado, a sua intuição. Ele diz que eu tenho que confiar nos meus palpites.

Levantei-me da cadeira da mesa da cozinha e comecei a andar de parede a parede, enquanto observava uma fotografia do meu irmão, com a idade com que desapareceu. Ou foi levado, não consigo saber. É impossível não pensar em como deve estar mudado hoje… isto se não estiver morto. Engoli em seco. Encontrá-lo morto seria o meu maior pesadelo tornado realidade. Não. Morto não está, tenho que ter fé. Sorri para a fotografia e quase que pude sentir que a sua face estava a sorrir para mim e não para o fotógrafo que dizia piadas enquanto tirava a fotografia. O meu irmão estava com o cabelo a cair-lhe sobre os olhos, loirinho como o meu, e tinha um sorriso de orelha a orelha e uns olhos brilhantes. Os mais brilhantes que alguma vez vi. Fui pousar a fotografia em cima da mesa, onde tinha toda a restante papelada que Rick me tinha providenciado, e olhei para o relógio. Ainda não estava na hora, mas eu estava numa pilha de nervos. Mesmo Rick diz que não tem um ponto de partida definido, mas ele também ainda não “estudou o caso”. Mas eu olho para aquelas fotografias, para os relatórios… e não me parecem reais. Eu sei o que vi. Sei o que aconteceu. Sei.

Então porque é que nada me parece fazer sentido? Porque é que não consigo encontrar as respostas?

Voltei a sentar-me na cadeira e fixei o meu olhar no relógio que estava preso na parede, e comecei a seguir o ponteiro, que ia de um lado para o outro, fazendo suaves sons, enquanto deixava que as recordações me assaltassem uma vez mais.

 

- Nikki, Hugh! – Ouvi a minha mãe gritar, do andar de baixo. Retirei a minha atenção por poucos segundos da televisão do meu quarto e fui até ao cimo das escadas, onde encontrei o meu irmão, que também fitava a minha mãe – A mãe vai às compras mas não se demora. A Berta deve estar quase a chegar, vocês portam-se bem?

- Sim mãe – dissemos os dois, ao mesmo tempo, com o mesmo tom.

O Hugh é o meu irmão gémeo. As pessoas riem-se quando estamos juntos e brincamos juntos, porque somos mesmo, mesmo parecidos. Temos os dois cabelos loirinhos e olhos verdes. Mas o meu cabelo é mais bonito e mais comprido, porque eu sou uma rapariga. A mãe farta-se de ralhar com o Hugh por ele nunca querer cortar o cabelo, por isso é que ele o usa quase sempre a tapar os olhos. Mas nós damo-nos bem, eu gosto dele. É o melhor irmão do mundo, e nunca o trocaria por nada.

A nossa mãe riu-se e disse que sim com a cabeça, antes de sair pela porta com o cabaz que levava sempre que ia às compras. Mas o mercado era longe, ela ia ter que ir de carro.

- Hugh, tenho fome – queixei-me – Vou lanchar.

- Eu já vou – disse ele, já a ir em direcção ao quarto – Estou a experimentar o meu jogo novo e é mesmo fixe!

- Está bem.

Desci as escadas e fui para a cozinha. Cortei o pão com uma faca. Pois, a minha mãe não gosta que nem eu, nem o Hugh, mexemos em facas. Mas já tenho oito anos, já sou uma menina crescida. Pus um bocadinho de doce no pão e bebi um copo com leitinho, e depois voltei a ir para o meu quarto.

Quando passei pela porta do quarto do Hugh, ele parecia estar divertido. Só gritava coisas como “toma lá”, ou “consegui!”, e depois ria-se. Meninos e os seus jogos.

Eu prefiro as minhas bonecas. Sei que já sou crescida, e o meu vizinho do lado, o irmão da Sheilla, a minha melhor amiga, goza comigo e com ela por ainda gostarmos de bonecas, e por isso rouba-as às vezes. Não gosto dele, nunca me deixa estar sossegada e como quero. Os meninos são maus. O único menino bom é o meu irmão.

Entrei para o meu quarto e deixei a porta aberta; a mãe também não gosta que nós as fechemos. Tem medo que aconteça alguma coisa. Mas o Hugh nunca ligava a isso, e fechava sempre a dele. Deixei-me cair na minha cama e olhei para a fotografia que tinha na minha mesa-de-cabeceira. Era o meu pai. A mãe diz que ele era uma pessoa muito boa, mas morreu antes de nós nascermos. A mãe diz que nós somos o que o mantém vivo no mundo. Ele era muito bonito.

Voltei-me de barriga para cima e olhei para o tecto, fechando os olhos em seguida. O Hugh diz que não percebe, mas eu sinto-me relaxada apenas de fazer isto. Estar em silêncio, sozinha, em paz. Sonhar.

Hugh soltou um grito bastante alto, mas de certeza que era apenas do jogo. Se calhar perdeu. Ele é como eu, não gosta de perder, nem aceita levar um “não”. Mas depois ouvi coisas a partirem-se, e abri os olhos. Vi que o meu candeeiro, com uns poucos diamantes pendurados, estava a começar a abanar, e depois a cama também começou, e todo o quarto logo a seguir. A casa inteira abanava, e o meu coração estava quase a saltar-me pela boca. Tinha medo. Não queria morrer.

- Hugh! – Gritei, enquanto corria aos solavancos até ao corredor e depois ao seu quarto. Abri a porta do quarto dele com força. Tinha medo, precisava que ele me dissesse que estava tudo bem. Mas a casa não parava de tremer. E quando o vi, estava quieto no meio do quarto. Que estava uma confusão. Estava tudo espalhado pelo chão, tinha a televisão partida, e os quadros. Tudo. Ia correr para ele, mas vi uma forma estranha pôr-se entre nós. E depois outra. E depois outra. Eram muitas. Demasiadas para eu contar. Congelei por completo. Estava aterrorizada, e o meu irmão não me dizia as palavras mágicas: vai tudo correr bem Nikki.

O vidro da janela do quarto de Hugh partiu-se e fez um barulho horrível, e eu gritei enquanto me baixei para me proteger dos vidros. Gritei a plenos pulmões, enquanto as lágrimas me saltavam pelos olhos. Comecei a ouvir os alarmes dos carros, devem ter começado por causa dos vidros.

As formas estranhas começaram a pôr-se à volta dele, como se não quisessem que eu entrasse e o agarrasse, e depois ouvi-as falar.

- É ele – dizia uma, com uma voz arrepiante.

- Vamos levá-lo – dizia outra.

Mas o resto não consegui entender. Falavam todas ao mesmo tempo. E em sussurros. E eu estava assustada, quase que não me conseguia aguentar em pé.

Quando ia dar um passo em frente, para eles, para o meu irmão, desapareceram. Impulsionaram-se para trás, para a parede, e desapareceram todos. Levando o meu irmão Hugh com eles. Por onde tinham desaparecido criou-se uma labareda de fogo, mas depois de arder poucos segundos extinguiu-se sozinha, e a casa parou de abanar.

Fiquei de boca aberta, com o choque, o medo, a incompreensão. Era como se nunca cá estivessem estado, nem as formas, nem Hugh. A única marca de que de facto estiveram, é o pequeno espaço queimado na parede. Fiquei tão nervosa que me deixei cair no chão, e todo o meu corpo tremia. Não conseguia controlar as lágrimas. Não conseguia pensar em nada. Queria o meu irmão de volta.

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