Destinos Trocados
Capítulo 5
Quarto de Bebé
Caroline tinha despertado há pouco tempo quando ouviu baterem à porta. Pela primeira vez em muito tempo tinha dormido num colchão fofinho e confortável. Era sábado, por isso nem tivera que acordar cedo. Parecia estar no paraíso.
- Entre – mandou. Keith abriu a porta e espreitou. Caroline levantou-se, usando apenas uns calções curtos e um top, fazendo-o corar ligeiramente – Queres alguma coisa?
O rapaz respirou fundo e fechou a porta. Sim, se aquela fosse Cindy já tinha armado um escândalo por ele a ter visto de pijama. Mas Caroline não era assim. Caroline fazia a cama e sentava-se em cima dela, com a maior das tranquilidades, enquanto esperava que o rapaz falasse.
- Podemos falar? – Pediu ele. Ela assentiu que sim e fez-lhe sinal para que se sentasse também, coisa que ele fez logo a seguir – É sobre ontem à noite. Ouve, quero pedir desculpa por não te ter defendido. Mas tens que perceber… ninguém sabe que és a Caroline, por isso é normal que te tratem como tratariam a Cindy. Para algumas pessoas és uma princesa, mas para outras és…
- Pegajosa? – Perguntou ela, a rir-se – Não faz mal, Keith. Eu percebo, a sério. Mas pensava que te davas bem com ela.
- Com a Cindy? – Keith soltou uma gargalhada – Eu disse-te que ela não se dava com ninguém inferior. E eu sou o filho do mordomo. Achavas mesmo que éramos bons amigos? – Caroline encolheu os ombros – Ela sabe ser divertida, e querida, e amiga, mas apenas de quem lhe interessa. Eu não tenho nada para lhe oferecer.
- Então e o rapaz de ontem? Aquele Nate? Ele também me pareceu ser um pouco antipático e snob.
- O Nate? Nada disso – discordou Keith – Ele só não gosta de Cindy. Desde pequenos que ela faz de tudo para se tornar na futura Sra. Nate Montgomery, e o que chateia o Nate é que os pais dele também aprovam isso. Ambas as famílias são grandes no império do cinema, e se fossem juntas, bem… consegues ver onde tudo iria dar.
- Então, basicamente, ele odeia-me.
- Ele odeia quem és, sim – Caroline pressionou os lábios e respirou fundo, e Keith formulou um pequeno sorriso – Mas ontem deixaste-o impressionado. Ele não esperava uma resposta daquelas. Em todas as discussões que teve com Cindy, ela nunca disse nada que não fosse “és um otário” e depois “desculpa, não quis dizer isso fofinho”. Estranhou não teres voltado atrás para implorar perdão.
A rapariga riu-se.
- E pode continuar a estranhar, porque isso não vai acontecer – garantiu.
- Tens alguma coisa programada para hoje?
- Não que saiba.
- Bem, agora já tens. Despacha-te, que vou-te dar uma visita guiada por Beverly Hills.
Keith foi para o andar de baixo e deixou Caroline a despachar-se. Ela parou em frente às roupas e respirou fundo. Sofisticada, mas prática. Glamourosa, mas simples. Era mais complicado do que parece, mas ela conseguiu resolver tudo. Optou por umas calças justas e uma túnica simples e bonita. Depois de prender o cabelo num carrapito e de pôr umas argolas de ouro, calçou uns sapatos de plataforma e colocou um colar de pérolas. Os seus pais não estavam em casa, por isso apenas comeu cereais e depois saiu com Keith.
- Onde vamos primeiro? – Perguntou ela.
- Entra no carro, eu vou dando as direcções – disse ele.
Assim dito, assim feito. Caroline ia conduzindo e virando nas curvas que ele lhe indicava. Em pouco tempo chegaram ao Rodeo Drive, e o rapaz disse a Caroline que o melhor era caminharem a partir dali. À medida que andavam por aqueles três blocos, Caroline ia ficando cada vez mais incrédula.
- Gucci… Channel… Louis Vuitton… Prada… Dolce&Gabbana… Oh meu Deus!
Keith soltou uma gargalhada perante a expressão maravilhada que a companheira fazia ao enunciar os nomes de algumas das lojas daquele sítio.
- Pensei que não fosses materialista – comentou, fazendo-a parar subitamente no meio da rua e olhar para ele de um modo sério – Disse alguma coisa errada?
- Eu cresci sem nada. Mesmo assim, claro que sonhava em ter dinheiro e comprar tudo nestas lojas. Todas as raparigas sonham.
Ele respirou fundo e puxou-a para que continuassem a marcha.
- Então porque é que não compras? Tens o cartão de crédito da Cindy… quer dizer, o teu cartão de crédito.
- Não é meu. Seria roubar. Além disso… ela tem milhões de roupas que eu nunca conseguirei experimentar todas.
Depois do Rodeo Drive seguiram para o Beverly Gardens Park, pelo qual caminharam durante longas horas. Caroline gostava daquele ambiente. Estava tudo coberto de relva e, por cima dela, crianças corriam divertidas a jogar jogos umas com as outras. A hora do almoço estava a apertar, por isso foram até um carro de cachorros quentes e compraram dois. Sentaram-se num dos bancos de madeira a comer e a conversar.
- É engraçado – murmurou Keith.
- O quê?
- Se tu fosses a Cindy, nunca me estaria a divertir tanto – Caroline sentiu as suas bochechas a ficarem mais quentes, provavelmente estaria a corar ligeiramente – Não precisas de ficar envergonhada, é verdade.
- Não te percebo – confidenciou ela, encolhendo os ombros – Num dia dizes que ela é a rapariga mais bonita que alguma vez viste, e dás a entender que gostas dela, e no outro parece que a achas a pior pessoa do mundo. Não percebo.
- Ela é… especial. Consegue fazer com que te sintas a pessoa mais importante do mundo, ou a mais insignificante. É por isso que tanta gente quer estar ao seu lado, é por isso que tem tantos “amigos”, se lhes pode chamar isso. Ser amigo da Cindy é um privilégio para qualquer um.
- Então porque…
- Porque se não fores amigo da Cindy, o mundo não é grande o suficiente para fugires à voz dela, dentro da tua mente, a dizer que não importas a ninguém. Ela é a tua irmã, e não a conheces, e não quero que a comeces a conhecer pelas coisas que ouves.
- Então estás a dizer que ela não é uma pessoa muito boa. Que basicamente tortura as pessoas de quem não gosta.
- Sim. Ela faz isso. E se tu estás a tentar ser ela, então também o tens que fazer.
Caroline mordeu o lábio e depois engoliu em seco.
- Não sou boa nisso – admitiu – Não sou melhor que ninguém. Não vou agir como se fosse. Então nunca foste amigo dela?
- Admiro a beleza, desprezo o feitio. Por isso, não. Ela nunca olhará para mim além do “filho do mordomo”.
Quando terminaram o almoço, saíram do parque e voltaram para o carro. Como Keith já tinha percebido que Caroline não tinha quase nada em comum com a gémea, decidiu arriscar e levá-la à biblioteca pública. E arriscou bem, pois quando a rapariga viu as filas de estantes cheias de livros ficou com os olhos a brilhar. Requisitou dois, e depois guardou-os no carro.
- Vamos voltar para casa? – Perguntou, ao colocar o cinto de segurança.
- Só uma última paragem.
Keith começou a indicar-lhe o caminho, até saírem da cidade. Ela estranhou, mas não disse nada. Continuou a conduzir até ver aquele enorme sinal a dizer “Hollywood”, e então ele mandou-a estacionar.
O sinal estava vedado, mas lá de cima dava para se ver a cidade inteira. Caroline mostrou o sorriso mais genuíno que alguém podia dar, e Keith mirou-a maravilhado.
✽✽✽
O jantar tinha corrido bem, e os pais de Caroline já estavam deitados há algum tempo, tal como os outros moradores da casa. Só ela, porém, é que não parecia ter sono. Eram quase três da manhã quando se levantou e foi até à cozinha para beber um copo de água. Voltou a subir as escadas, com cuidado para não acordar ninguém, e ia a entrar no seu quarto quando olhou para a porta ao lado. “Ninguém lá entra”, dissera-lhe Joseph.
- Bem… ninguém tem que saber – pensou em voz alta.
Levou a mão à maçaneta da porta e rodou-a, mas estava trancada. Foi então ao quarto e de lá regressou com um gancho, que usou para a destrancar. Fechou a porta atrás de si antes de acender a luz e, quando o quarto ficou iluminado, o seu coração falhou uma batida.
Caroline levou a mão à boca, sem qualquer reacção, e observou o que tinha à sua frente. Espantada caminhou pelo chão, igual ao do quarto de Cindy, e deslizou a mão pelo berço de madeira com uma colcha cor-de-rosa e cheio de almofadas e peluches. Tocou num candeeiro de pé, que estava lá ao lado, e ele começou a rodar sobre si, fazendo-a franzir os sobrolhos. Foi até à cómoda e abriu as gavetas, verificando que estavam vazias. Viu que também tinha um closet, e uma varanda, e que estava bastante bonito e bem arranjado para um…
- É um quarto de bebé – murmurou, ainda aparvalhada, enquanto agarrava num urso de peluche de pêlo branco e com um laço vermelho à volta do pescoço.
Por cima do berço havia um quadro, mas estava coberto com um pano velho e poeirento. Caroline aproximou-se dele e destapou-o, verificando que era uma fotografia de Terry e Marshall com duas bebés iguais, cada uma ao colo de um deles. Engoliu em seco e, ao sentir as lágrimas a chegarem-lhe aos olhos, voltou a tapá-lo. Pôs o urso de peluche de volta ao berço e saiu de lá, trancando a porta, para voltar para o quarto de Cindy e se deixar cair em cima da cama, completamente aparvalhada.
- Mas… porquê? – Perguntou-se. “Se me abandonaram… porquê ficarem com o meu quarto?”.
Então, que acham?
Comentem, sim? c: