Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Déjà Vu Sobrenatural

por Andrusca ღ, em 23.10.10

Como eu disse, o primeiro capítulo era mais uma introdução, agora é que a história vai realmente começar.

Espero que gostem ;)

Ps: estes capítulos são maiores

 

Capítulo 2

O Primeiro Grande Susto

Ano de 2009 (Presente)

 

- Melanie, Melanie acorda! A chefe quer falar contigo. – Disse-me Karen, uma colega minha.

- Estou acordada. – Afirmei, levantando a cabeça dos braços, que estavam apoiados na minha secretária. – Quer falar agora?

- Sim, vai lá ao gabinete.

 

Nome: Melanie McKensie                                                                 Idade: 22 anos

 

Estatuto: Solteira e prestes a ser despedida

 

Tinha-me deixado de dormir inclinada sobre a minha secretária, no New York Times. Eu fazia várias reportagens lá. Apesar de ainda estar à experiência e de não fazer nada de muita importância, gostava de lá trabalhar.

- Posso entrar? – Perguntei, ao bater à porta da minha chefe, Katherine.

- Sim entra, senta-te. Mel, temos que falar. – Disse ela.

- Ok, eu…

- Estás despedida.

- O quê? Mas Katherine…

- Não há Katherine. Eu não posso tolerar esses comportamentos, ou vais-me dizer que ainda agora não estavas a dormir? Se achas tão chato trabalhar no jornal mais reconhecido internacionalmente eu estou-te a fazer um enorme favor, há milhões de pessoas que adoravam estar no teu lugar.

- Eu sei, eu sei que sim Katherine, mas não volta a acontecer, prometo, eu só… eu não tenho dormido lá muito bem durante a noite, mas não volta a acontecer…

- Mas já voltou a acontecer Mel, aconteceu anteontem, aconteceu hoje… eu não posso tolerar isto.

Perfeito, tudo o que precisava. Tinha trocado L.A. por Nova Iorque, para desespero dos meus pais, que, mesmo assim e apesar de eu estar a trabalhar, continuavam a pôr dinheiro na minha conta todos os meses. Bem, acho que agora me ia dar jeito, visto que já não estava a trabalhar, mas não ia desistir, a minha vida ia dar uma grande volta, assim que resolvesse o que não me deixava dormir à noite.

Arrumei as minhas coisas e levei-as para o meu apartamento no centro da cidade. Era um daqueles apartamentos muito modernos, apesar de agora ter perdido um bocado o charme, visto que as câmaras de televisão e os fotógrafos andavam sempre lá de roda por causa dos dois homicídios ocorridos nas duas últimas noites.

Entrei em casa com muito esforço, evitando as perguntas dos jornalistas e pousei a caixa de papelão com as minhas coisas. Voltei a sair e dirigi-me a uma livraria, duas ruas a baixo. Entrei e comecei a procurar por livros, mas não encontrava nenhum sobre o tema que queria por isso fui pedir informações e a funcionária levou-me a uma estante enorme, cheia de livros que falavam do inexplicável, do sobrenatural.

- Tem a certeza que é isto que quer? Você não se parece nada com os clientes que costumam comprar este tipo de livros. – Perguntou-me ela.

- Eu sei, mas sim, é isto que procuro, obrigada.

- Se precisar de mais alguma coisa chame.

Ela foi-se embora e eu olhei para a enorme estante, cheia de livros sobre o oculto, e percebi logo que aquilo ia demorar imenso tempo. Pus os fones nos ouvidos e comecei a desfolhar livros, para ver se falavam do que me interessava, após uma hora, mais ou menos, tinha dez livros na pilha dos que me interessavam. Agarrei neles e dirigi-me à fila, para os pagar, quando, ao fazer uma curva veio um homem contra mim, fazendo-me deixar cair os livros todos.

- Peço imensa desculpa. – Disse ele, um bocado atrapalhado, ajudando-me a apanhar os livros.

- Não faz mal. – Disse eu. Quando olhei para a cara dele fiquei sem saber o que dizer ou o que fazer, ele continuava a juntar os livros e nem repara em mim. Tirei os fones dos ouvidos, ainda em choque. – Bryan?

Ele olhou para mim e pareceu ficar tão surpreendido por me ver ali como eu a ele.

- Melanie? Não estava nada à espera de te encontrar por aqui, como é que tens estado? – Perguntou ele, dando-me os livros.

- Bem, tu?

- Também. – Respondeu ele, olhando de seguida para a capa dos livros. – Andas a ler livros de sobrenatural?

- Não muito, é só para variar um bocado.

- Um bocado, com esses livros todos diria que é variar muito…

- Pois… bem, foi bom ver-te. – Disse eu, prosseguindo o meu caminho.

- Ei Mel, queres ir tomar um café, agora? Se não tiveres nada combinado é claro… – Perguntou ele, aos gritos.

- Não sei Bryan.

- Vá lá, é só um café, cinco anos é muito tempo… vamos pôr a conversa em dia.

- Tudo bem, deixa-me só pagar.

Paguei os livros e fomos a um café na minha rua. Sentámo-nos na esplanada enquanto esperávamos que o empregado trouxesse os pedidos e começámos a falar sobre o fizemos nestes últimos cinco anos.

- Melanie McKensie em Nova Iorque, quem diria? – Disse ele, com o sorriso a que me tinha deixado habituada em tempos.

- Então e tu, nunca pensei ver-te aqui, como é que vieste cá parar?

- Estou a fazer uma viagem pelo país, de carro.

- Aqui têm. – Disse o empregado, ao pousar os cafés na mesa. – Se precisarem de mais alguma coisa é só pedirem. Vejo-te na quarta-feira certo Mel?

- Claro que sim.

- O que é que há na quarta-feira? – Perguntou Bryan.

- Karaoke, todas as quartas canto uma música neste café, à noite.

Dei um gole no café e retomámos a conversa anterior.

- Então e vieste sozinho? – Perguntei, dando outro gole em seguida.

- Não, vim com o Jason. – Ao ouvi-lo dizer isto engasguei-me.

- Com o Jason? – Perguntei, apesar de ter ouvido bem demais da primeira vez.

- Sim… aí, não vai esquisito nem nada, vai?

- Não, claro que não, porque é que haveria de ser? Isso já foi tudo há muito tempo atrás…

Nisto, o telemóvel de Bryan toca e ele atende.

- Não meu, não é nada disso, podes vir à vontade, mas acho melhor entrares com calma. – Disse ele, para a pessoa do outro lado da linha.

- Era o Jason? – Perguntei, quando ele desligou.

- Era, ele está quase cá.

- O fim perfeito para um dia perfeito. – Murmurei, dando um dos últimos goles no café.

- Como é que o meu irmãozinho conseguiu conhecer alguém tão bonito como tu? – Perguntou Jason, para mim, ainda antes de ver quem eu era.

- Acho que oficialmente foi quando te ajudou a salvar-me de um ex-namorado louco. – Respondi, virando a cara para ele.

Jason continuava exactamente como me lembrava dele, não tinha mudado praticamente nada.

Pensei que ele fosse desmaiar, ficou tão pálido como eu quando vi Bryan na livraria.

- Melanie… - Murmurou ele, sem dizer mais nada.

- Olá. – Disse eu. – Uau, o reencontro perfeito. – Murmurei.

- Sabes Jason, acabei de esbarrar com a Mel na livraria, ela estava a comprar livros sobrenaturais. – Disse Bryan, dando ênfase no «sobrenaturais».

- O quê? Porquê? – Perguntou-me Jason, sentando-se. Aparentemente passou-lhe o choque assim que ouviu a palavra «sobrenaturais».

- Porquê o quê? Não posso comprar livros? – Perguntei eu, na defensiva.

- Sim mas, porquê de coisas sobrenaturais? – Perguntou ele.

- Porque não? – Retorqui.

- Não vamos chegar a lado nenhum pois não? – Perguntou Bryan.

- Vocês já me conhecem, certo? – Perguntei.

- Tudo bem. – Disse Jason, por fim. – Nós temos que ir andando, temos aquela… coisa, para fazer certo Bryan?

- Certo. Vemo-nos por aí Mel? – Perguntou Bryan.

- Claro, eu também vou para casa.

- Moras aqui perto? – Perguntou Jason.

- Naquele prédio ali. – Respondi, apontando. As expressões deles modificaram-se, ficaram tão sérias como quando souberam que comprei livros sobre o oculto.

- Acho que te podemos acompanhar. – Disse Jason, por fim, a fingir estar descontraído.

- Porquê? – Perguntei, desconfiada.

- Nada de especial. – Disse Bryan.

Insistiram bastante e acabaram por me acompanhar até ao meu andar e à minha porta. Quando se foram embora insistiram para que nos encontrássemos no dia a seguir para lhes “mostrar a cidade”, acabei por ter que concordar, senão nunca mais me deixavam.

Tomei banho, jantei e depois deitei-me na cama com os fones nos ouvidos, a olhar para o tecto e a pensar em todos os acontecimentos daquele dia. Olhei para a pilha de livros que tinha comprado, levantei-me e agarrei num ao calhas e voltei para cima da cama a lê-lo. Falava de demónios, bruxas e fantasmas. Vi os faróis de um carro pela janela e fui espreitar, já era tarde, normalmente não haviam carros àquela hora à frente do meu prédio, ainda mais agora, com os homicídios a acontecerem.

Reconheci aquele carro de imediato, era o carro de Jason, um Opel preto, de cinco lugares. Depois de cinco anos, ainda continuava com o mesmo carro. Estariam a espiar-me? E se sim, porque o estariam a fazer? Puxei o estore para baixo e voltei a deitar-me na cama a ler o livro e a ouvir música, pouco depois deixei-me de dormir.

Acordei sobressaltada e toda transpirada, tirei os fones dos ouvidos e levantei-me, abri a porta de casa e comecei a bater à porta da minha vizinha do lado direito. Ninguém me abria a porta e estava prestes a telefonar para a polícia quando ouvi passos a aproximarem-se da porta e a destrancarem-na.

- Passa-se alguma coisa? – Perguntou a minha vizinha.

- Você tem que sair desta casa, eu não consigo explicar, mas algo muito, muito mau vai acontecer aqui hoje, por isso por favor, saia daqui.

- Você está bem? Vá mas é dormir e deixe-se disto, devia ter vergonha. – Disse ela, fechando-me a porta na cara.

- Não…

Voltei para dentro de casa, desanimada e sentei-me no sofá, vi as horas, eram quatro e meia da manhã. Abri a persiana, o carro de Jason ainda lá estava. Se calhar a minha vizinha tinha razão e eu estava a exagerar tudo e a ficar paranóica. Acabei por me deixar de dormir toda torcida no sofá e acordei com o barulho de vozes, vindas das escadas. Aproximei-me da porta e espreitei, vi montes de polícias e vi a entrada para a casa da minha vizinha do lado direito vedada. Vi também Jason e Bryan a falar com um dos polícias, eles estavam de fato preto.

- Eu sou o agente Bull, este é o meu parceiro, agente Krinst, F.B.I. pode-nos explicar o que aconteceu? – Pediu Jason, mostrando os distintivos.

«Agente Bull e Krinst?!» que raio…

- A vítima foi encontrada há pouco pela mãe, estava deitada no chão da sala com uma enorme poça de sangue à volta, mas o mais macabro é o assassino lhe ter…

Não digas «tirado o coração», por favor, não digas isso.

-… Tirado o coração. - Continuou o polícia. Engoli em seco.

- Podemos dar uma vista de olhos? – Perguntou Bryan.

- Claro, sigam-me. – Disse o polícia.

Eles entraram e eu fui tomar banho para ver se me acalmava, eu sabia quem andava a cometer todas estas loucuras, mas não sabia como o revelar sem que me internassem num hospício…

Vesti uns calções de ganga e uma blusa cor de laranja de atar ao pescoço, calcei umas sandálias de salto alto pretas, de atar à perna e pus espuma no meu longo cabelo castanho claro para que ficasse com caracóis e pus um colar preto, com um coração de prata pendurado, que tinha três pequenos brilhantes na diagonal, do lado esquerdo, como era costume.

Como ainda faltavam umas horas para me encontrar com Jason e Bryan, liguei o portátil e escrevi os seus nomes. Apareceram várias notícias sobre eles, desde roubos, homicídios e falsificação de identidades e de cartões de crédito. Não podia ser verdade, era impossível. Em tempos, Jason e Bryan foram os rapazes mais amáveis que conhecera, tudo bem que se tinham passado uns anos mas de certeza que não podiam estar assim tão mudados. Perdi a noção do tempo e fui chamada de volta à realidade quando tocaram à campainha. Eram polícias, queriam saber se eu tinha ouvido alguma coisa ou se sabia de qualquer coisa relativa para a investigação. Menti, disse que não sabia de nada. Mesmo que dissesse a verdade, tenho a certeza absoluta que eles iriam ser apenas as próximas vítimas, fosse o que fosse que andava a matar pessoas, não era para ser parado por eles, haviam apenas duas pessoas capazes de tal feito, e eu não sabia quem eram.

Quando finalmente se foram embora voltei para a minha pesquisa sobre os meus “amigos” e passados poucos minutos voltaram a tocar à campainha, eram eles, tinham chegado mais cedo, ou então tinham passado a noite do lado de fora do prédio a espiar qualquer coisa. Vesti um casaco e fomos dar uma volta. Parámos no Central Park. Estavam lá muitas pessoas a lerem o jornal e crianças a andar de bicicleta. O Central Park era uma escapadela do quotidiano.

- Uau, então este é que é o famoso parque que aparece em montes de filmes… - Disse Jason.

- Yap, o Central Park. – Disse eu, encostando-me a um murro, a olhar para um dos lagos.

- É magnífico. – Disse Bryan, encostando-te também, ao meu lado.

- Pois é, transmite uma calma inigualável. – Concordei eu.

- Está tudo bem Mel? – Perguntou Jason.

- Claro, porque é que perguntas?

- Porque normalmente não te calas e agora mal falas. – Respondeu Bryan, em vez de Jason.

Como é que ele sabe isso? Já não me punha os olhos em cima há cinco anos.

Bocejei.

- É só por estar com sono. – Esclareci eu.

- Não há mais nada? – Insistiu Bryan.

- O que é que vocês estão a fazer aqui? – Perguntei repentinamente, virando-me para eles.

- O que é que queres dizer? Estamos a fazer uma viagem e estamos a conhecer o Central Park. – Disse Jason com um ar muito inocente.

- E isso é tudo? – Perguntei. – Não há mais nada?

- Que mais é que podia haver? – Perguntou Bryan.

- Eu não sou estúpida sabem? Ou surda, ou cega. Eu vi-vos à frente da minha casa esta manhã, a fazerem-se passar por agentes do FBI.

- Não podes dizer a ninguém, é uma missão ultra-secreta. – Disse Bryan.

- Claro que é, e é por isso que usam vários nomes falsos e cartões de todo o tipo, e falsificam cartões de crédito… e já foram presos e são procurados em quase todos os EUA… essa viagem deve ser fenomenal não? – Perguntei, sarcasticamente.

- Mel… nós podemos explicar… - Disse Bryan.

-Boa sorte… - Incentivei.

- Nós andamos de um lado para o outro e dizem isso tudo mas Mel, nós somos inocentes… - Disse ele.

- E culpabilizam-vos porque…

- Sei lá, não devem ir com a nossa cara ou assim… - Disse Jason, muito descontraído.

- Tu conheces-nos… sabes que nunca faríamos essas coisas. – Disse Bryan.

- Conheço? Às vezes tenho dúvidas. Eu já vos conheci, mas agora… agora já não reconheço nada em vocês sem ser o aspecto. Eu vi-vos a fazerem-se passar pelos agentes, ninguém me contou, e ontem quando pagaram os cafés entregaram um cartão ao empregado que não era vosso. Eu não vos conheço…

- Mel, vá lá, não digas isso. – Disse Jason, já mais preocupado.

- Vocês mentem e ficam toda a noite dentro do carro à porta do meu prédio… e eu peço desculpa mas não sei até que ponto é que posso ser amiga de pessoas assim… porque percebi que em cinco anos muita coisa pode mudar. E se eu mudei porque é que vocês iam continuar iguais?

- Vais chamar a polícia? – Perguntou Bryan, sem negar que tinham passado a noite à entrada do meu prédio.

- Sei que devia, mas não, não vou. Mas afastem-se de mim. – Disse eu, afastando-me.

- Mel. – Gritou Jason. – Se precisares de alguma coisa, vamos estar no hotel ao pé do supermercado, quatro ruas abaixo da tua, não hesites em aparecer, quarto 21.

Pois sim, como se alguma vez voltasse a correr para os braços de qualquer um deles.

Comecei a andar e quando cheguei a casa já estava a anoitecer, eu estava completamente estafada, já não aguentava mais um segundo em pé. Assim que cheguei atirei-me para cima da cama e apesar de todos os meus esforços, o sono tomou controlo sobre mim, fazendo com que entrasse num grande mundo de sonhos e pesadelos. Acordei ainda pior que na noite anterior, era uma da manhã, como ainda estava vestida, calcei uns ténis pretos, vesti um casaco preto, de cabedal e saí a correr, directa ao hotel onde Bryan e Jason estavam hospedados. Quando lá cheguei bati à porta montes de vezes mas não servia de nada.

Quando ia dar meia volta para me vir embora a porta abriu-se e vi Jason, com uma cara muito ensonada e apenas com as calças do pijama. Continuava o deus grego por quem me apaixonara.

- Algum problema? – Perguntou.

Entrei pelo quarto a dentro e comecei às voltas. Jason e Bryan limitavam-se a ficar a olhar.

- Melanie, o que é que se passa? Estás bem? – Perguntou Jason, por fim.

- Eu tenho uma coisa para vos dizer, não sei é como… calma, vocês vão… ah, assim não dá… - Dizia eu, tentando organizar as palavras de modo a que fizessem sentido.

- Não te queres sentar? – Perguntou Bryan.

- Não.

- Ok Mel, acalma-te, começa pelo princípio… - Aconselhou Jason.

- Ok… há cerca de cinco meses atrás tive este pesadelo, assustador como tudo e super realista, era sobre um tipo a ser torturado num sítio qualquer por uns monstros quaisqueres mas depois ele parou de ser torturado e começou a torturar outros, mas bem, não liguei porque era só um sonho…

- E depois… - Encorajou Jason.

- Depois continuaram, os pesadelos, todas as noites sem parar, apareciam fantasmas e outros monstros… e eu aparecia sempre, com dois rapazes. Quando eram monstros, com corpo, eu explodia-os.

- Como assim? – Perguntou Bryan.

- Sei lá eu, estendia as mãos e eles explodiam. Quando eram casperzinhos usava armas e depois queimava os ossos…

- Casperzinhos? – Perguntou ele.

- Sim, fantasmas. – Esclareci. – Bem, mas continuei a pensar que não era nada de especial, até que sonhei com a morte de uma mulher e no dia seguinte apareceu nos noticiários… ela tinha morrido exactamente como eu tinha sonhado e então fui pesquisar…

- E…

- E quase tudo com que sonhei aconteceu mesmo, incluindo as mortes no meu prédio.

- Viste quem foi? – Perguntou Jason.

- Não é “quem”, é ”o quê”. Foi uma espécie de lobo… eu sei que parece de loucos mas…

- E estás-nos a contar isto porquê? – Interrompeu Bryan.

- Porque hoje sonhei com a vossa morte… e a minha. Esse lobo esquisito mata-vos num sítio estranho e depois eu apareço, tento explodi-lo mas não consigo, ele mata-me e eu acordo.

- Ok, tens que ter calma Mel… - Disse Jason.

- Não era bem isso que estava à espera de ouvir… não me vão chamar maluca nem nada?

- Porque é que não vais buscar café? Acho que vamos ter uma noite muito agitada. Nós vamos mudar de roupa. – Disse Bryan.

- Ok… - Disse eu, desconfiada por terem acreditado tão facilmente em mim.

Fui buscar os cafés e quando voltei a porta estava aberta e estava tudo de pantanas. Estava uma mensagem na parede «Se queres os teus amigos de volta sabes onde tens que ir» e eles não estavam lá.

“O que é que eu faço agora?!”, pensei. Estava a começar a desesperar, não podia telefonar para a polícia porque senão é que ia mesmo internada num hospício e não ia poder ajudar ninguém.

Dei uma vista de olhos pelo quarto mas não vi nada que me chamasse a atenção. Agarrei num caderno pequeno, com uma capa de couro preto e abri-o. Fiquei pasmada, tinha imagens de várias coisas, tinha símbolos como os que vi nos livros de sobrenatural, tinha imagens de fantasmas, vampiros, lobisomens e de… wendigos. «Wendigo» a figura era igual ao monstro com que tinha sonhado a matar os meus vizinhos e Jason e Bryan… e a mim. Dizia lá que os wendigos eram uma mistura de lobisomens com canibais, as pessoas canibais comiam tanta carne humana que se tornavam neste monstro, mas tal como lobisomens, podiam voltar ao seu aspecto normal, normalmente comem o coração da vítima. Diz lá que se matam com uma bala de prata no coração. “Perfeito, onde raios é que vou arranjar uma bala de prata?!”.

Vi o telemóvel de Jason no chão e apanhei-o, vi o número para o qual ligar em caso de emergências, tinha o nome de Phil, suponho que seja o tal tio… será que o pai deles já tinha morrido? Bem, isso agora também não interessava para nada, não era a altura para me preocupar com coisas dessas. Passei o número para o meu telemóvel e chamei.

- Estou sim? – Atendeu uma voz masculina, mal-humorada do outro lado da rede.

- Eu precisava de falar com o Phil… Phil Baylling. – Disse eu.

- Quem é que precisa de falar comigo?

- Melanie. Sr. Phil, eu sou amiga do Jason e do Bryan…

- Estão em apuros?

- Pode-se dizer que sim… eles foram… bem… pode-se dizer que foram raptados…

- És muito próxima deles?

- Porquê?

- Sabes o que eles fazem? Também o fazes?

- Não estou a perceber…

- Também és uma caçadora?

Caçadores, claro! Haviam imensas lendas de pessoas que percorriam o mundo a caçar demónios e outras criaturas das trevas, pelo menos pelo que ouvira.

- A este ponto… acho que estou perto de ser qualquer coisa… Sr. Baylling, sabe-me dizer onde é que eles guardam as armas com as balas de prata?

- Se és assim tão próxima deles, devias saber.

- Ok olhe, eu não tenho tempo para isto, tenho que me despachar, eles foram capturados por um wendigo e eu sei onde estão, só preciso de uma arma.

Depois de muita conversa e perda de tempo ele disse-me que as armas estavam no porta-bagagens do Opel de Jason. Mas fez-me prometer que esperava por ele no sítio combinado para entrarmos juntos.

Tive uma grande dificuldade a procurar as chaves do carro naquela bagunça toda até me lembrar que Jason as tinha sempre no bolso, há coisas que nunca mudam. Acabei por ter que abrir o carro à força, o que não foi tarefa fácil. Quando finalmente abri o porta-bagagens, depois de levantar um fundo falso vi imensas armas e não fazia a mínima ideia de qual usar. Acabei por pôr uma pequena no cinto. Entrei para o carro e liguei-o pelos fios. Não sei como consigo fazer estas coisas, nunca as fiz antes, mas a verdade é que sei exactamente como as fazer.

Conduzi até uma entrada para os esgotos. Sentia-me como uma criminosa. Fiquei quase dez minutos à espera de Phil mas como não aparecia, decidi entrar sem ele, senão não os iria conseguir ajudar. Voltei a entrar no carro à procura de uma lanterna.

- Ridículo, têm o porta-bagagens cheio de armas mas não têm uma única lanterna!

Entrei pelos esgotos e comecei a andar sem fazer ideia para onde ir. Andava muito devagarinho, com esperança que ninguém ou nada desse por mim. Ouvi uma coisa atrás de mim e virei-me, num grande susto, mas era apenas um rato.

- Tem calma Mel… Isto é uma loucura, e tu ainda és ainda mais louca por teres cá vindo… - Refilava, durante o caminho.

Cheguei a um sítio em que já não havia água, o que era um alívio enorme. Vi Jason e Bryan presos a uns canos, com as roupas já rasgadas e alguns arranhões. Vi também um monstro, enorme e muito peludo ao pé deles. Parecia um lobo, no entanto era muito maior, tinha o pelo castanho e andava apenas em duas patas. Tinha uns dentes aterrorizadores.

Escondi-me atrás de uma caixa de electricidade enquanto os observava. Começou a dar-me vontade de espirrar e… Atchin. Olhei sobressaltada para lá e já não vi o monstro.

Ouvi um rosnar atrás de mim e olhei, devagar e a medo para trás…

- Olá… - Pronunciei, toda a tremer.

O monstro agarrou-me, levantou-me e mandou-me para o chão, para o meio da sala.

Quando caí no chão procurei pela pistola que tinha levado mas tinha saltado do meu cinto e estava a quase dez metros de mim. “Estou morta”. O monstro retomou a sua forma original e eu reconheci-o, era Cameron, o meu vizinho da frente.

- Tu é que és o Wendi- não sei das quantas?! – Perguntei, aterrorizada.

- Tu tinhas que meter esse teu narizinho nisto, não era Melanie? – Perguntou ele, com uns olhos tresloucados. – É pena sabes, eu estou a ficar com fome…

Voltou a transformar-se em wendigo e saltou-me para cima. Rolei para o lado, fazendo com que ele caísse no chão, levantei-me e comecei a correr mas ele agarrou-me as pernas e puxou-me para baixo, fazendo com que caísse toda junta.

- Larga-me! – Gritava eu.

Tentei soltar-me mas ele conseguia sempre puxar-me para ao pé dele. Eu esperneava e pontapeava-o mas de nada me servia, estava a lutar contra um monstro, um monstro verdadeiro, e sair dali viva seria um grande milagre.

- Deixa-a em paz! Ela não tem nada a ver com isto! – Gritava Jason para o wendigo.

- Ela é bem mais importante que vocês os dois juntos. – Respondeu o wendigo, puxando-me ainda mais.

Credo, ouvir palavras saírem da boca de um animal é esquisito.

Eu estava a tentar rastejar para longe dele e tentar chegar à arma, que se encontrava aos pés de Jason, mas este, por sua vez, não a podia agarrar pois estava amarrado.

O wendigo agarrou-me com bastante força e impossibilitava-me de me mover, eu gritava para ele me largar, mas mais que medo, tinha raiva dele, de ter assassinado tantas pessoas. Olhei para Bryan e Jason, que estavam ao meu lado. Jason fez-me um sinal qualquer que só percebi quando levantou o pé e atirou a arma para mim, mas com demasiada força. Fiz um esforço extra e apanhei-a no ar, virando-me e disparando contra o wendigo, que caiu em cima de mim. Desviei-o com uma imensa dificuldade devido ao peso e larguei a arma, empurrando-a para tão longe quanto o meu braço permitiu e fiquei ali deitada, a tentar recuperar o fôlego.

- Estás bem? – Ouvi a voz de Bryan perguntar, cautelosamente.

Virei-me de barriga para baixo e encarei-os.

- Achas que estou bem?! Tudo bem, não fui comida, mas achas mesmo que estou bem?! – Perguntei, com uma mistura de raiva com pânico na voz.

- Podes-nos tirar daqui? – Perguntou Jason, com um tom de quem estava mais a implorar.

- Vocês vão ter que me explicar tudo tão bem explicadinho e olhem que não vou nas cantigas da missão super secreta ou de reality shows. – Avisei eu, levantando-me e aproximando-me deles.

- Pára aí mesmo. – Ouvi uma voz rezingona atrás de mim e virei-me lentamente. Era um homem já com alguma idade, talvez cinquentas e muitos anos. Tinha um bigode da cor do cabelo, cinzento-escuro e trazia vestida uma roupa confortável, e uns ténis. Empunhava uma arma. – Tu ouviste, nem mais um movimento seu monstro de meia tigela.

- O quê? Ah, você deve ser o… - Comecei eu a dizer.

- Phil, ela é nossa amiga, pousa a arma. – Disse Jason.

- Ah, a rapariga que me telefonou, eras tu? – Perguntou ele, olhando para mim de alto a baixo.

- Era… porquê essa admiração toda? – Perguntei, quase ofendida.

- É só que… esperava alguém mais… crescido.

- Crescido? – Perguntei.

- Tu sabes, mais maduro. As tuas unhas estão pretas?

- É verniz.

- Pois, é verniz, calções e cabelo arranjado. Diz-me lá, em que mundo é que és uma caçadora?

- Bem eu… não sou, mas se não tivesse dito que era, você não tinha dito nada e além disso matei a coisa… e não é justo dizer isso só pela maneira como me visto.

-Pois sim, desvia-te lá para os soltar, não vamos querer que partas uma unha.

Após Phil os soltar, fomos todos para a minha casa. Eu exigi uma explicação mas eles não me diziam nada verdadeiro, inventavam cada vez mais desculpas, até já nem sequer fazerem sentido uns com os outros.

- Já chega! – Gritei eu. – Eu acho que mereço saber. Afinal arrisquei-me ali por dois tipos que conheci há cinco anos e desde que os encontrei não fazem mais nada sem ser mentir-me.

- Tens razão… bem, nós somos investigadores e estamos a fazer várias pesquisas sobre o sobrenatural. – Disse Bryan.

- Pois, então tu não tens sangue de vampiro, pois não Bryan? – Perguntei, retoricamente.

- O quê? – Perguntou ele, incrédulo.

- E tu não foste o tipo que eu vi a ser torturado e depois a torturar, pois não Jason? – Perguntei.

- Como é que…

- Vamos fazer assim, vocês dizem o que eu falhar… um vampiro matou a vossa mãe no dia em que o Bryan nasceu e deu-lhe a beber o seu sangue, mas o vosso pai chegou a tempo de o parar logo o sangue não foi suficiente para ele se transformar em vampiro, faz apenas com que ele anseie por mais sangue de vampiro, mas essa vontade pode ser restringida, porque no fundo, Bryan, és uma pessoa normal. O vosso pai começou uma jornada contra esse vampiro, arrastando-vos para a vida de caçadores, mas quando o encontrou foi feito prisioneiro não sei aonde e obrigado a fazer um acordo, ele ficava lá prisioneiro e ninguém vos fazia mal.

- Uau… - Disse Phil, de boca aberta.

- Calma, ainda não estou nem perto de acabar… Jason, tu fizeste o mesmo acordo, por isso é que foste torturado no que acredito ser o Inferno…

- Submundo. – Corrigiu Jason.

- Obrigado, onde sofreste imenso mas depois começaste a torturar outros, e isso foi há cerca de cinco meses, quando os meus sonhos começaram, porque o facto de teres feito isso quebrou o primeiro dos muitos selos para libertar o Diabo. Mas eles só têm que quebrar… vamos calcular 200, para que ele seja libertado. E agora vocês têm que parar o apocalipse. Fim. Ah não, espera, vocês lutam com estas coisas no dia-a-dia, é por isso que usam tantas identidades. Agora acabei.

- Descobriste isso tudo só pelos sonhos? – Perguntou Jason.

- A maior parte, mas só soube que eram vocês quando vi a tatuagem no teu braço, por causa das roupas rasgadas. A cruz.

- Nós íamos-te dizer… eventualmente… - Disse Bryan.

- Não, não iam, vocês tiveram tempo de sobra para isso e nunca disseram nada, estiveram a mentir-me durante este tempo todo. Eu nunca vos conheci, eu conhecia uma grandessíssima mentira, criada por vocês.

- Mel…

- Saiam daqui. Por favor, saiam, eu já não aguento mais, pelo menos por hoje.

Eles obedeceram e iam a sair quando me virei para a janela e gritei.

Estava lá uma mulher meio transparente, um fantasma. Eles voltaram a entrar na sala, alarmados.

- Tu outra vez?! – Perguntou Jason para o fantasma.

- Eu quero falar com ela. – Disse a fantasma. – Vocês não têm sensibilidade.

- Comigo? Eu não acho boa ideia, eu não sou nenhuma especialista ou assim… - Disse eu, aflita.

- Mas és uma mulher, fala lá com a casperzinha, senão nunca mais nos deixa. – Pediu Jason.

- Já percebi a falta de sensibilidade. Diz lá então. – Disse eu.

- Eu tinha este namorado, e ele deixou-me, sim, grande drama, mas depois voltou e depois voltou a ir-se embora, e agora apareceu no meu funeral.

- E isso é um problema porque…

- Porque eu amo-o, nós estivemos juntos por pouco tempo mas foi verdadeiro, foi real. Como é que ele me pôde deixar?! Como é que o posso esquecer assim?!

A história trouxe-me grandes memórias da minha ex relação com Jason.

- Não esqueces. Foi um ano da tua vida que nunca mais vais poder mudar, aconteceram várias coisas, não esqueces… simplesmente superas, ficas com as coisas boas e superas as más…

- Eu nunca disse o tempo que foi…

- Bem, um ano, dois anos, sete meses, vai tudo dar ao mesmo certo? – Tentei disfarçar.

- Aconteceu-te também, oh, conta-me tudo, como é que superaste?

- Com o tempo…

- Mas não choraste nem nada?

- Chorei um bocado, quer dizer, fiquei triste e chateada e foi complicado, mas com o tempo foi passando e quando voltei a estar normal foi das melhores sensações de sempre.

- Devias gostar mesmo do desgraçado… amava-lo?

- Amava.

- Ainda amas?

Troquei um olhar com Jason. Olhar assim para aqueles olhos de novo…

- Não.

- E se ele aparecesse…

- Nada ia mudar. Agora, de volta a ti…

- Oh, não é preciso mais nada, eu estou a ver a luz há muito tempo, só estava curiosa.

Disse o fantasma, desaparecendo.

- Ok, isto foi estranho. – Murmurei. – Não sabia que os fantasmas também eram malucos…

- Acredita que são. Posso falar contigo? São só cinco minutos, por favor. – Pediu Jason.

- O que é que tenho a perder? – Perguntei para o ar.

Fomos para o meu quarto.

- Desculpa, por me ter ido embora sem dizer nada, eu não te queria magoar, mas sei que o fiz e por isso peço desculpa.

- É só isso? – Perguntei tão friamente que quase não reconheci o meu tom de voz.

- É… mas Mel, ainda vamos cá ficar por hoje, se quisesses podíamos sair, divertirmo-nos, só tu e eu.

- Ou vocês podiam ir-se embora. Eu sei que o que vocês andam a fazer é bom e é por isso que não te dou uma chapada por teres trazido o assunto de há cinco anos à baila, por isso boa sorte. Espero que consigam parar o apocalipse, a sério que sim.

Eles foram-se embora e eu fiquei o resto do dia em casa a pôr as ideias em ordem. Por muito estranho que seja, lutar com aquele monstro, o wendi-não sei quê, foi o melhor que me aconteceu em algum tempo e durante esse tempo, apesar estar a morrer de medo, foi bom saber que estava a fazer uma coisa boa.

O dia passou-se rapidamente e à noite fui até ao café para a noite do karaoke e anunciei à gerente que era o meu último “espectáculo” lá.

Enquanto estava a cantar vi Jason, Bryan e Phil, a observarem-me da rua.

As coisas iam mudar a partir daqui, não sei se para melhor ou para pior, mas iam mudar. Talvez os sonhos parassem, talvez não, mas nada, nunca mais iria ser igual.

1 comentário

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.