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Mundos Diferentes - One Shot

por Andrusca ღ, em 27.09.12

Bem, hoje deu-me para fazer uma one-shot. Espero que gostem.

 

Mundos Diferentes

 

- Podes-me contar uma história? – Pediu o pequeno Tom, à avó, que o tinha ido aconchegar à cama.

A velhota sorriu, fazendo umas quantas rugas em redor dos olhos azuis, e sentou-se ao lado do neto. Colocou uma madeixa do seu cabelo já completamente branquinho para trás da orelha e assentiu com a cabeça.

Tom ficava muitas noites em casa da avó, os pais tinham muitas festas e compromissos, e como ela vivia sozinha faziam companhia um ao outro. O seu marido, avô de Tom, morrera já há anos.

- Hoje vou-te contar uma história que nunca te contei – ele começou logo a rir – Pronto? Então aqui vai:

 

Era a primavera do ano 1963, e a nossa protagonista Jane tinha dezoito anos. O John F. Kennedy tinha ganhado as eleições para a presidência em ’60, por isso havia muitas ideias de liberalismo e Rock&Roll, mas os pais da Jane eram muito conservadores e faziam os possíveis para que ela tivesse a melhor educação possível. Não perceberam que, com isso, a estavam a tornar numa rapariga demasiado fria e mimada.

Viviam numa pequena vivenda em Londres e, na rua em frente, havia uma fazenda. Todos os dias de manhã, ao ir para a escola onde andava, Jane passava por Dave, o rapaz que morava nessa fazenda e que a essa hora estava a cultivar a terra, e dirigia-lhe um pequeno sorriso. Ele não era como ela. Não vinha de boas famílias, não tinha dinheiro, era sorte ter algum pão para comer. Sonhava com uma vida melhor, nos Estados Unidos talvez. Num desses dias, em que Jane passou por ele e lhe sorriu, Dave não se conseguiu controlar mais. Deu dois passos de corrida até ela e agarrou-lhe no braço.

- Todos os dias fazes isso… porquê? – Perguntou ele. Jane sorriu-lhe. Se dissesse a verdade, seria um escândalo. Não podia admitir que desde sempre que era apaixonada por aqueles olhos verdes e cabelos negros. Que tinha deixado o seu coração ser roubado por um rapaz pobre e sem posses. Vivam em mundos demasiado diferentes.

Em vez de lhe responder, voltou a sorrir e foi para a escola. No outro dia o mesmo voltou a acontecer e, ao terceiro dia, Dave mudou de táctica: em vez de a agarrar e depois deixar ir, puxou-a para ele e beijou-a. Nesse momento Jane sentiu-se a voar, como se possuísse toda a magia do mundo dentro de si. A partir desse dia começaram a encontrar-se às escondidas de todos. Iam passear para as colinas, conversavam sobre os mais variados assuntos, riam e choravam um com o outro.

O Inverno chegou e, com ele, a morte do pai de Dave. Este ficou completamente devastado, agora estava completamente sozinho no mundo.

 

- Isso não é verdade – disse Tom, fazendo a avó rir. Ele adorava as suas histórias, mas nunca a deixava seguir uma do princípio ao fim sem a interromper.

- Posso continuar a história?

- Podes.

 

- Não Dave, tens-me a mim – disse-lhe Jane.

Mas a verdade é que isso era mentira. Há muito que os pais de Jane tentavam arranjar-lhe casamento com um dos rapazes mais ricos da altura. Ele tinha um casarão, uma fortuna gigantesca… era bom rapaz, bem-parecido e tudo, porém o coração dela não lhe pertencia. Algumas semanas depois do pai de Dave ter falecido, os pais de Jane disseram-lhe que tinham marcado a data para o casamento. Completamente em pânico, a rapariga correu para a casa do amado e ambos se refugiaram no estábulo onde muitas vezes se tinham escondido.

- Não! – Disse Dave – Não te podes casar com ele. Não podes!

- Mas o que posso fazer? Já está tudo tratado!

Dave pensou por alguns segundos, e depois deixou-se cair de joelhos no feno, onde ela estava sentada.

- Amanhã sai um barco do porto. Vai para os Estados Unidos. Apanhamos esse barco e não olhamos para trás.

- Fugir? Dave, achas mesmo que fugir é a nossa melhor opção?

- É a nossa única opção. Eu amo-te e não te quero perder.

Jane concordou de imediato e, como jura de que tal ia mesmo acontecer, Dave deu-lhe uma pequena fotografia dele, que ela guardou dentro do medalhão que levava pendurado ao pescoço, em troca do gancho de cabelo que ela lhe deu.

Jane voltou para casa e começou a juntar as coisas para levar. Não era preciso muita coisa, apenas era preciso que ele fosse consigo.

Na manhã seguinte foi ter ao porto, mas chegou já atrasada. Os últimos passageiros entravam já no barco.

- Jane! Jane! – Dave gritou o seu nome, e pôde vê-lo já dentro do barco. Fez-lhe sinal para que fosse ter com ele, e ela sorriu.

Mas então, de súbito, apareceu-lhe na mente tudo do que estava a abdicar. De comida no prato a todas as refeições; os seus vestidos bonitos; o amor de dois pais carinhosos e preocupados; uma vida desafogada. O último sinal do barco, para que os últimos passageiros entrassem, soou e ela não conseguiu subir a bordo. Dave olhou-a com os olhos enlagrimados, e Jane limitou-se a abanar a cabeça e a apertar aquele medalhão que levava ao peito ao ver o desgosto na cara dele.

 

- Ele foi sem ela? – Perguntou Tom.

- Sim, meu querido. O barco começou a afastar-se e a Jane voltou para casa…

 

Semanas depois, teve uma péssima notícia. O barco em que Dave tinha seguido tivera um acidente e afundara-se no Atlântico. Nenhum dos passageiros tinha sobrevivido. Chorou durante dias a perda do único homem que alguma vez tinha amado.

Meses passados, deu-se o casamento. Com o tempo, Jane aprendeu a amar também o marido com quem viveu por quase quarenta anos.

 

- Porque é que me contaste uma história tão triste, avó? – Perguntou o pequeno.

Ela sorriu-lhe.

- Porque não quero que cometas os mesmos erros que ela cometeu, meu querido. Nunca devemos desistir do amor, por termos medo.

Deu-lhe um beijo de boa noite e voltou a aconchegá-lo. Andou em direcção à porta e, quando se preparava para sair, a voz do miúdo voltou a soar:

- Mas avó – disse ele –, O teu nome é Jane.

- Sim, meu amor, pois é. São horas de dormir.

Jane saiu do quarto do neto e começou a descer as escadas mansão luxuosa onde morava, em Londres. Tinha vestido um vestido preto, caro, e uns brincos de diamantes. O cabelo, branquinho, estava maravilhosamente apanhado com ganchos, excepto algumas madeixas. Levou a mão ao peito e apertou o medalhão que lá trazia há já cinquenta anos, tendo uma lágrima a escorrer-lhe pelos olhos. Tinha saudades dele, mas sabia que um dia se voltariam a encontrar. E, então, teriam uma eternidade inteira para estarem juntos.

Passou pelas paredes enfeitadas a ouro, as mesas caras e com castiçais de diamantes e pedras preciosas em cima, os candeeiros luxuosos e únicos… passou pela casa recheada de coisas ricas, com o completamente coração vazio.

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