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O Anel de Ruby

por Andrusca ღ, em 03.01.13

Ainda só tenho dois capítulos, por isso não sei quando posto o próximo.

Como já disse, não sei se vão gostar muito desta história, mas vamos ver no que dá.

Quem ainda não viu, tem aqui o prefácio.

Como prometido, cá está o primeiro capítulo.


1.  O Sangue nas Mãos

 

Onde estava ele já não me podia atingir, mas nem por isso o meu corpo deixava de tremer. Na minha mente revivia os últimos minutos e sentia-me cada vez mais pesarosa e angustiada. Pesarosa, angustiada… mas aliviada.

Aqui estou eu. Ruby Silax, um metro e oitenta centímetros, cinquenta e sete quilos, recém-licenciada em literatura inglesa. Ao ver a minha imagem reflectida no espelho duplo desta sala, cinzenta e com apenas uma mesa e duas cadeiras, de interrogação do FBI cheguei à conclusão de que já nem me reconheço. Se aquela imagem no espelho sou mesmo eu, então cheguei ao mesmo ao fundo do poço. O meu cabelo acobreado perdeu todo o seu brilho; os meus olhos já não capazes de ver o mundo como antes; a minha expressão é dura e insensível, apesar de por dentro estar num turbilhão de emoções. Fui forçada a disfarçá-las assim.

Engoli em seco e levei a mão à minha blusa, ainda completamente coberta de sangue seco. Também ainda nas mãos tinha restos desse líquido vermelho que teimava em não sair, por muito que eu já as tivesse lavado e esfregado.

Gostava de dizer que sou inocente, mas neste momento ninguém acreditaria em mim. Tinha matado uma pessoa.

Como é que cheguei aqui? Vou-vos contar a minha história.

 

Acordei de manhã e respirei fundo. Já havia uma barulheira tremenda no corredor dos dormitórios, como era em todos os dias na Universidade de Maryland, onde estou a terminar o meu curso de línguas e literaturas estrangeiras. Levantei-me e vesti-me para ir para as aulas, mais dois meses e o curso terminava.

A única pessoa da minha família com quem posso contar é a minha avó materna. Os meus pais tiveram pouco cuidado e a minha mãe engravidou aos quinze anos, infelizmente não sobreviveu ao parto. Em consequência disso, o meu tão dito pai fugiu. O meu avô nunca sobreviveu o tempo suficiente para que eu o conhecesse, desapareceu em combate na guerra do Afeganistão. A minha avó cuidou de mim, criou-me como a uma filha, como a filha que perdera, e deu-me tudo. Chama-se Beatrice, mas por carinho chamo-lhe apenas Be. Separar-me dela para vir para a universidade foi uma tortura, e desatámos as duas a chorar agarradas uma à outra quando chegou finalmente a “hora do adeus”. Custou-me deixá-la a viver sozinha na pequena casa térrea, uma casita azul com uma cerca branca e umas réstias de relva já amarelada, mas ela insistiu que tinha que persistir numa educação superior para me tornar alguém na vida. Mesmo assim, todos os fins-de-semana vou a casa, que se encontra a poucos quilómetros fora da cidade, e falamos horas sem fim. É para lá que me vou dirigir quando as aulas terminarem, visto que é sexta-feira.

Quando finalmente acabou a minha última aula, foi só pegar na mala já previamente feita e pôr-me dentro do meu carrinho Volkswagen, cinzento e já a cair aos bocados – prenda da minha adorada Be no meu décimo sexto aniversário, ano em que tirei a carta de condução. Ao fim de pouco tempo comecei a avistar aquela casa que tanto adorava, e estacionei no lugar em frente, que estava sempre vago pois os vizinhos já deviam saber que aquele era o meu lugar. Abri a porta branca e logo um cheiro a bolo acabadinho de fazer inundou-me o nariz, pondo-me a barriga às voltas. Pousei a mala em cima do sofá coberto com uma manta de renda branca e espreitei para a cozinha, que se encontrava vazia apenas com um bolo de laranja ainda intocado em cima da mesa.

-Be? – Chamei. Nada – Avó?

- Oh Ruby, és tu?

A minha Be apareceu vinda do quarto que costumava, e ainda é, ser meu. Vinha com os óculos à ponta do nariz, como sempre, e com o cabelo já branco todo eriçado. Era uma figura engraçada, esta minha avó. Tinha o avental do avesso e ainda restos de farinha na bochecha.

- Sim, Be.

Dei-lhe um beijo e ela abraçou-me com força. Ao abraçá-la, reparei numa caixa de bugigangas em cima da belíssima colcha cor-de-rosa que cobria a minha cama.

- O que é aquilo?

- Oh, andei a dar a volta aos armários, sabes? – Disse-me ela, daquele modo despachado que sempre usava. Podia ter idade, mas vida não lhe faltava – Anda, vem, vou-te mostrar.

Fez com que me sentasse na cama e começou-me a mostrar fotografias e recordes já de alguns anos atrás. Mostrou-me uma fotografia da minha mãe, e realmente eu era parecida com ela. No fundo da caixa de sapatos um objecto captou a minha atenção. Era um anel com uma pedra avermelhada e bastante brilhante, um rubi. Peguei nele e observei-o.

- Que anel é este, Be? – Perguntei-lhe.

Se alguma vez tivesse visto a minha avó assustada, poderia dizer que esta vez tinha superado todas as outras, mas como ela era sempre tão destemida e forte, vê-la a ficar pálida perante aquele objecto tão insignificante deixou-me um pouco intrigada.

- Larga isso Ruby Marie Silax, que essa coisa só trás é azares.

Franzi as sobrancelhas. Azares?

- Estás a falar do quê?

- O teu avô ofereceu-mo antes de ir para a guerra, usei-o e ele não voltou e eu parti uma perna. Dei-o à tua mãe, a rapariga engravidou e bem, já sabes o resto. Larga isso que o que precisamos menos agora é de desgraças.

Não consegui evitar não rir, e uma grande gargalhada soltou-se na minha garganta.

- Não podes mesmo acreditar que isso foi culpa deste anel. Posso ficar com ele?

- Devia tê-lo queimado quando tive a oportunidade. Vou terminar o jantar, que já fiz bolinho para a sobremesa. Larga isso, já disse. Põe isso aí dentro que depois vai para o lixo.

Ela levantou-se e foi para a cozinha, e eu até ia colocar o anel de novo na caixa. Mas era quase como se fosse uma herança de família, e eu era família. Guardei-o no bolso das calças de ganga e tapei a caixa, antes de ir ajudar a minha avó na cozinha.

Achar que todo aquele azar tinha vindo daquele anel era completamente irracional. E irracional e supersticiosa é coisa que nunca fui, apesar de serem as mais fincadas características da minha Be.

Passámos um bom fim-de-semana, juntinhas à conversa, e no domingo à noite retornei à universidade.

Na segunda-feira de manhã acordei tarde, por isso vesti a primeira roupa que vi à frente para não chegar atrasada às aulas. Ia a andar pelo campus quando, por acaso, levei a mão ao bolso e senti um pequeno altinho. Já não me lembrava do meu pequeno furto do fim-de-semana, por isso tirei-o para fora e observei-o. Era bastante bonito. Ia colocá-lo no dedo, mas um rapaz deu-me um encontrão e deixei-o cair. Ele até me pediu desculpa, mas eu estava mais preocupada em tentar apanhar o anel de rubi que fugia de mim como se foge da cruz. Rolava pelo chão e esgueirava-se dos outros estudantes até embater nuns sapatos de um rapaz, que se curvou e o apanhou, mirando-o bem.

- Apanhaste o meu anel. Obrigado! – Disse-lhe, quando cheguei ao pé dele.

Ao ver aquele rapaz levantar-se o meu coração falhou uma batida. Tinha uns cabelos aloirados e um corpo de nos fazer babar ou cair para o lado, uns olhos claros e sorriu-me com um sorriso doce com um travo a gozo.

- É teu? – Perguntou. A voz era melodiosa e suave, e sem estar preparada senti as bochechas a ferver.

- Sim – respondi-lhe.

Ele sorriu-me e pegou-me na mão, enfiando no meu dedo anelar aquele anel fugitivo. Depois deu-me um beijo na palma da mão e voltou a sorrir-me.

- Chamo-me Lewis.

- Ruby.

Naquele momento pensei que Lewis pudesse vir a ser o meu salvador, um príncipe que me iria resgatar da vida real, das responsabilidades, fazer-me viver um conto de fadas… mal sabia eu o que estava para vir.

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