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O Anel de Ruby

por Andrusca ღ, em 19.01.13

Queria pedir a toda a gente que lesse este capítulo que comentasse. Até aos "fantasminhas", só para ter noção de quem lê esta história, está bem? Não custa nada.


7.  A Triste Realidade

 

Quando me acalmei e percebi que os ânimos dentro da casa tinham também acalmado, limpei as lágrimas, respirei fundo e agarrei nos sacos, entrando com um sorriso no rosto como se nada daquilo se tivesse passado. Até porque eu não sabia o que se tinha passado. “Sabes sim”, acusava-me a minha consciência enquanto entrava dentro da casa, “sabes e vais voltar, és uma cobarde, não enfrentas a realidade”.

Lewis cumprimentou-me com uma simplicidade que me atormentou. Era o mesmo Lewis de sempre, com aquele ar simpático e sonhador, o Lewis pelo qual me tinha apaixonado, um Lewis que eu nunca imaginara ver a fazer o que vi. Decidi não falar sobre isso porque, se falasse, então tornar-se-ia em algo real. E algo tão gigantesco estragaria por completo o meu conto de fadas.

Mesmo sem ter pronunciado uma palavra durante o resto do dia sobre esse assunto, lembro-me que à noite tive o primeiro pesadelo da vaga deles que aí haviam de vir. Quando acordei dei voltas e voltas na cama, ainda era cedo demais, mas a imagem de Joshua a ser usado daquela maneira como saco de pancada não me saía da cabeça. Estaria a ser castigada pelo meu silêncio? Será que, por não ter dito nada, por ter escolhido “olhar para o outro lado”, merecia o que me ia acontecer? Talvez.

Eram oito horas quando, já farta de estar na cama sem conseguir voltar a adormecer, me arrastei até à casa de banho e deixei que a água do chuveiro me lavasse as preocupações. Mas se ao menos fosse assim tão fácil. Por momentos esqueci Joshua, mas então comecei automaticamente a pensar em Elise. Aquela velhota adorável e tão frágil, tão… fácil de quebrar, estava no chão por algum motivo. E todos aqueles em que pensava me faziam querer poder desligar o cérebro de alguma maneira. Saí da banheira e vesti uma roupa prática. Quando desci as escadas Elise já estava na cozinha, e Lewis preparava-se para o seu primeiro dia de trabalho. Cumprimentei ambos com um simples “bom dia”, evitando qualquer tipo de contacto visual, como a nobre cobarde que sou, e começando a preparar o meu pequeno-almoço. Sentia o olhar do meu namorado em mim, o que me causava algum medo. Medo? Será que agora tinha medo dele, era? “Não sejas parva Ruby, nem sabes o que aconteceu ao certo”, forçava-me a pensar, mentindo-me descarada e conscientemente.

- Bem, amor, tenho que ir.

Ele aproximou-se de mim para me dar um beijo, mas voltei a cara de modo a que apenas me pudesse alcançar a bochecha.

- Acho que estou a ficar doente – justifiquei.

Ele franziu as sobrancelhas, mas deu-me o beijo na bochecha e foi embora. Respirei de alívio.

Pouco depois desceu Joshua, que se preparava para ir para a escola. Tinha um novo hematoma bem saliente, o que me fez um aperto no coração. Pela primeira vez pensei que ele podia não ser o miúdo bruto e arrogante por quem o tinha tomado. Quis acreditar nisso.

Não tardei a ficar sozinha com Elise, que aproveitou a minha ajuda para dar uma limpeza mais aprofundada na casa. Com tudo o que fizera por mim, era óbvio que não lhe podia negar tal pedido. Reparei que tinha alguma dificuldade em executar certos movimentos e, o que antes poderia ligar à idade avançada, associava agora ao seu corpo caído no chão frio no dia anterior. Almoçámos em silêncio, e depois prosseguimos com o nosso trabalho.

- Elise… - Travei-me a tempo. Não sabia perguntar isto. Não sabia perguntar a uma avó se o neto lhe batia. E pior, não queria saber a resposta que ela me daria.

- Sim Ruby?

- Deixe… não é nada. Posso ir para o meu quarto? Estou cansada, dormi pessimamente esta noite.

- Claro, também já só falta este móvel, vai lá. Descansa essa cabeça.

Sorri-lhe, agradeci-lhe, e subi para o andar de cima. Assim que me fechei no quarto deixei-me cair para cima da cama e suspirei. Se continuasse assim certamente que daria em louca. Acabei por adormecer por algumas horas, e quando acordei notei que havia movimento no andar de baixo. Saí do quarto e andei calmamente até às escadas, mas então estagnei por completo.

- Onde é que está? – Perguntava Lewis, com um tom altivo e agressivo.

- Não sei, filho, não sei onde o guardei.

Elise contou-me mais tarde que aquela discussão se devia ao facto de, durante as nossas limpezas, termos mudado uma das revistas de Lewis de sítio e de ela não se recordar de onde a tinha posto. Quando pensei bem sobre o assunto, vi claramente a capa com jogadores de uma equipa qualquer de rugby, rodeados de loiras e morenas, modelos jeitosas, e que a agarrei e inconscientemente pus no lixo.

- Fazes sempre isto! – Assustei-me com aquele seu grito – Onde está a Ruby?

- Acho… tem estado no quarto toda a tarde – tive pena da pobre Elise, estava com a voz trémula, estava aterrorizada, já conhecia o neto e sabia o que ia acontecer – Acho que ainda dorme.

- Óptimo – em seguida ouvi o som de um estalo e o meu coração quase que me furou o peito com a força com que bateu. Sem pensar, desci as escadas à pressa e entrei na cozinha como um furacão, a tempo de ver Lewis a pregar um pontapé em Elise, já no chão.

- Pára! – Gritei, passando por ele a correr e deixando-me cair de joelhos ao pé de Elise, abraçando-a como se a estivesse a proteger. Como se alguma vez a pudesse proteger – O que raios é que estás a fazer?

Por momentos vi surpresa no seu olhar, não devia esperar que conhecesse esta sua faceta tão cedo. Talvez um dia quando casássemos, quando tivéssemos filhos, mas não hoje. Mas isso pouco mais de cinco segundos demorou. Deve ter pensado que já não havia volta a dar, que agora que já se tinha revelado já não dava para se voltar atrás.

- Tu cala-te! – Até tremi quando me gritou. Foi a primeira vez que me gritara. Nesse momento a porta da rua abriu-se e Joshua apareceu diante de nós. Lewis trocou um último olhar comigo e saiu, dando um encontrão no irmão e dirigindo-se ao andar de cima.

Eu permaneci ali no chão, quieta, aparvalhada. Queria ter ripostado. Queria ter-lhe gritado também. Mas em vez disso apenas o observei enquanto se afastava. De novo, tinha ignorado e não tinha agido. No fundo, ainda esperava acordar e que tudo isto não passasse de um pesadelo. Esperava que ele mudasse.

- Agora já sabes – murmurou-me Joshua, enquanto auxiliava a avó a levantar-se.

Nessa noite, na cama, lembro-me de pensar na minha Be e do mau azar que me disse que aquele anel de rubi dava, e nunca pensei que estivesse mais certa. Afinal, tinha-me trazido toda aquela felicidade, apenas para a poder destruir abruptamente depois.

Com o passar dos dias o ambiente ficou mais pesado. Da segunda vez que Lewis me levantou a voz, também lhe gritei, e como resposta fiquei com a marca da sua mão na minha cara. Nunca nenhuma pancada me tinha doído tanto como aquela. Ameacei vir-me embora, ameacei deixá-lo, mas ambos sabíamos que não era capaz. Por isso, da segunda vez que me bateu, apenas me deixei ficar imóvel e calada, à espera que tudo passasse depressa e em breve pudesse passar creme pelas feridas enquanto as lágrimas de raiva e frustração me escorriam pelas bochechas.

Antes de ter percebido, ele já não era o meu Lewis. Aliás, agora cada vez mais acredito que ele nunca me pertenceu. Eu é que sempre fui dele, como um objecto que com tanto orgulho exibia e com tanta força maltratava. 

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