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O Anel de Ruby

por Andrusca ღ, em 23.01.13

Deve ser dos mais fraquinhos, lamento...

 

8.  Dependente

 

À medida que os dias passavam, ia-me sentindo cada vez pior. Cada vez que me batia, que batia na avó e no irmão, me fazia sentir uma revolta enorme por lhe dar essa permissão, por, ainda no fundo, achar que ele podia mudar. Não demorei muito até começar a fazer como a pobre da Elise e a esconder as marcas da vergonha sob blusas de manga comprida e calças de ganga nos dias em que o sol estava abrasador.

Em pouco tempo tinha percebido todas as atitudes de Joshua e, num dos dias em que Lewis estava a trabalhar, que era a única altura em que podíamos respirar de alívio por algumas horas, confirmei as minhas suspeitas.

- Só me querias proteger, não era?

Sem quaisquer rodeios entrara no seu quarto e sentara-me na sua cama, enquanto o observava sentado na secretária ao computador. Ele parou de teclar e voltou-se para mim e, pela primeira vez, aquela expressão dura e insensível fugiu-lhe do rosto.

- Gostei de ti desde o primeiro segundo – fugira à minha pergunta, mas era preciso “ler nas entrelinhas”. Aquele rapazito de quinze anos já tinha vivido muito, já tinha sofrido muito e era muito mais forte que certos adultos que estão espalhados por todo o planeta e, sem nenhuma razão em especial, decidiu fazer de tudo para que eu não partilhasse o seu fim.

Nesse momento pensei “se ao menos eu tivesse feito o que ele disse, se ao menos me tivesse afastado”, mas logo concluí que não seria justo. Não seria justo que ele, por um acidente de nascença, por ter nascido nesta família desnorteada, fosse obrigado a sofrer sozinho pelo resto da vida, enquanto eu pudesse simplesmente afastar-me. Nesse momento jurei dar o meu melhor para que Lewis o deixasse mais em paz e, como se o meu abominável namorado me lesse a mente, passou a bater-lhe menos a ele e a mais mim.

Elise olhava-me cada vez com mais pena. Sempre que me esfregava o creme nas feridas lamentava-se pela má conduta do neto, chorava, rezava.

- Porque nunca fez queixa, Elise?

- É meu neto… além disso… - o seu rosto tornou-se assombroso e senti-a a tremer enquanto me punha a pomada nas nódoas negras das costas – Ele matava-me. E mandava o meu Joshua comigo.

Engoli em seco e assenti com a cabeça, permanecendo em silêncio depois disso. Pelo que tinha vindo a presenciar nos últimos dias, não duvidava disso por um segundo.

Numa tarde de sexta-feira o telefone começou a tocar freneticamente, e foi Elise quem o foi atender.

- Ruby, vem cá, é para ti – ouvi-a gritar pouco depois. Cheguei-me ao pé dela e, antes de mo passar para a mão, disse-me: - Acho que é uma proposta de emprego.

Nesse momento Lewis entrou em casa e olhou-me com uns olhos horripilantes, tirou o telefone das mãos da avó e olhou-me com uma cara de desafio, enquanto a pobre Elise se benzia e murmurava algumas coisas que não consegui perceber.

- Lamento, a Ms. Silax não pode vir ao telefone – disse ele, com uma voz calma – Posso saber do que se trata?

- O que é que estás a fazer? – Discuti, baixo para a pessoa do outro lado da linha não ouvir. Ele deu-me um pequeno empurrão e eu mantive-me calada.

- Sim, percebo. E sim, é uma proposta excelente. Infelizmente neste momento ela não se encontra disponível para a aceitar. Claro… claro que a decisão é dela, mas falo-lhe porque sei. E agradecia que não voltasse a telefonar, serviria apenas para a entristecer ainda mais. Compreendo, uma boa tarde para si também.

À medida que ele desligava o telefone olhava-o com o ar mais aparvalhado que alguma vez fiz. Por poucos segundos não consegui perceber o que raio se tinha passado ali.

- Avó sai daqui – mandou Lewis. Elise olhou para mim, mas eu assenti com a cabeça. Também não queria que ela visse o que se ia passar a seguir – Tens alguma coisa a dizer?

- Eu? – Retorqui, ainda incrédula – Essa é a primeira proposta que tenho em semanas! Como é que pudeste fazer isso?!

Ele esboçou um pequeno sorriso sombrio que me fez arrepiar.

- Não foi a primeira – limitou-se a dizer. Nesse momento senti o mundo cair-me todo aos pés. Então tinha-me mudado para esta casa, para o centro da cidade, não para arranjar emprego mas para ser uma prisioneira? Tinha abandonado a minha vida, a minha Be, para não ter qualquer futuro?

- O que é que acabaste de dizer…? – A minha voz mal passou de um sussurro, mas ele ouviu-a bem.

- Ouviste-me. Não foi o primeiro. Achavas mesmo que te ia deixar ir trabalhar? Conhecer pessoas novas? Conhecer homens novos? Para quê? Para me traíres? Para me deixares? Podes esquecer. O teu lugar é nesta casa!

Um soluço prendeu-se na minha garganta.

- Vou sair daqui.

Passei à sua volta em direcção à porta mas, antes de a abrir, já ele estava encostado a ela.

- E vais para onde? Para a tua avozinha que mal te pode ver? Para um hotel sem dinheiro?

Ao olhar naqueles olhos percebi pela primeira vez que ele tinha conseguido tudo o que queria. Dei por mim já completamente dependente dele, já não tinha nenhum sítio para onde fugir. Não podia voltar para a minha Be, não do modo como tínhamos deixado as coisas. Nunca a conseguiria encarar com toda a vergonha e os remorsos que sentia. E, sem dinheiro, sem trabalho, o que seria de mim se saísse desta casa de pedra?

Ele desencostou-se da porta, convencido de que eu já não a iria tentar abrir, e eu mantive-me imóvel. Lembrei-me de outra coisa. Uma promessa que me tinha feito. Que iria apoiar e proteger Joshua. Que, ao contrário dele, eu estava nesta situação por culpa minha e não por um azar de ter nascido com Lewis como meu irmão. Senti-me aprisionada, acabada, mas pelo menos o meu triste final teria que servir para alguma coisa.

- Então estou presa aqui, é isso? – Ele riu.

- Claro que não – disse, como se fosse a pessoa mais amável do mundo, com um sorriso de orelha a orelha e um ar descontraído – Podes dar as tuas corridas no parque, como sempre, e ir ao supermercado, como sempre. Desde que tenhas sempre em mente que, se fizeres alguma coisa de mal, eu vou sempre saber.

Ele levantou a mão e levou-a à minha cara, fazendo-me tremer involuntariamente, e passou-ma com uma falsa gentileza pela bochecha. Desceu até ao meu queixo e puxou-me com força, de modo a não me conseguir desviar, até me dar um beijo que me pareceu durar mais que uma eternidade. Senti uma lágrima escorrer-me pela face enquanto não me largava e, quando finalmente o fez, sorriu triunfoso e dirigiu-se à cozinha.

- O que há para jantar, avó? – Ouvi-o perguntar, enquanto me deixava descair encostada à porta até ficar sentada no chão ainda com tremores no corpo e lágrimas nos olhos.

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