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Déjà Vu Sobrenatural

por Andrusca ღ, em 12.11.10

Capítulo 22

De volta a casa

 

Já estávamos estacionados em frente àquela enorme casa branca, cheia de pilares de pedra e um jardim enorme, muito L.A. há algum tempo, mas havia qualquer coisa que me impedia de sair do carro e ir em frente, qualquer coisa que me fazia não querer ir em frente. A verdade já a sabia, mas será que ainda podia ficar pior?

- Mel… tens que fazer qualquer coisa… quer dizer, não estou a tentar forçar nada mas… - Disse Jason. – Eu acho que precisas disto…

- Eu sei… vamos?

- Whoa, whoa, whoa. – Disse Bryan. – Que queres dizer com «vamos»?

- Vá lá pessoal, eu não consigo fazer isto sem vocês… - Implorei, no banco de trás, inclinada para eles, que se encontravam à frente.

- Tu percebes que nós te deixámos certo? E os teus pais já nos detestavam antes disso… imagina agora, o teu pai vai-me dar um tiro com a espingarda que tem na parede do escritório. – Verbalizou Jason.

- Não vai nada, vocês são os meus amigos, e eu não consigo fazer isto sozinha, eu preciso de saber que quando as coisas derem para o torto vocês vão estar lá para me ajudar a sair.

- Tudo bem, azar, ele que me dê um tiro. – Disse Jason, ao sair do carro.

Abriu a porta do lugar onde eu estava e estendeu-me a mão, num incentivo para me fazer sair também. Agarrei na sua mão e saí do carro. Bryan fez o mesmo e começámos a subir a pequena escadaria até à enorme porta de entrada. Parei em frente à porta do enorme casarão e respirei fundo. Bati.

- Menina Melanie! – Exclamou Consuela, a nossa governanta, ao abrir a porta. – É tão bom vê-la novamente. Entre, entre.

- Olá Consuela. É bom ver-te também. – Respondi, entrando.

Ouvi passos apressados a dirigirem-se a nós e a figura esguia do meu pai apareceu logo, vinda do escritório. Continuava igual, à excepção do cabelo estar a ficar mais grisalho.

- Bem me parecia ter ouvido o teu nome. – Disse ele, de sorriso de orelha a orelha, abraçando-me. – Eu tive tantas saudades querida.

- Eu também senti a tua falta pai.

Quando finalmente me largou, reparou que eu não vinha sozinha, reparou nas duas figuras atrás de mim, que permaneciam tão quietas como duas estátuas.

- Pai… tenho a certeza que te lembras deles, eles são…

- Jason e Bryan Whickmonth. – Disse o meu pai, com desagrado.

O senhor Joseph McKensie não era muito exigente com as minhas amizades, mas quando elas davam o torto, apesar de estar sempre lá para me consolar, o que era bom, nunca se esquecia de como ou porquê as coisas tinham dado para o torto.

- Pai, sê simpático. Aconteceram muitas coisas e eles são meus amigos.

Ele permaneceu imóvel, a olhar para Jason e Bryan que se entreolhavam entre si, e depois de cerca de dois minutos, esboçou um sorriso.

- Está bem. – Disse ele. – Já és grandinha o suficiente para fazeres as tuas escolhas. – Virou-se para eles. – Mas aviso-vos já que ainda tenho a espingarda na parede, e se voltam a magoar a minha filha, eu uso-a.

- Ok, menos drama pai. A mãe está?

- Não, foi às compras.

- Aí está um grande choque. – Murmurei. – Mas sabes se demora muito?

- Não sei bem, mas são quase horas de jantar, já deve estar quase a chegar.

Poucos segundos depois de ele pronunciar isto, a porta da rua abriu-se e vi a minha mãe, muito bem arranjada como sempre, com montes de sacos nas mãos. Trazia umas calças castanhas vestidas e uma blusa branca, com umas rendinhas, e calçava umas sandálias muito requintadas. Apesar de ser quase de noite, tinha os óculos de sol ainda postos. Assim que me pôs os olhos em cima largou os sacos e apressou-se a chegar ao pé de mim e a abraçar-me. Ao contrário do que aconteceu com o meu pai, mantive-me imóvel, à espera que ela me largasse.

- Melanie, querida, é tão bom ter-te de novo em casa. – Disse ela, dando-me um beijo na bochecha, e depois largando-me. – O que é que eles estão aqui a fazer? – Não se esforçou nem um bocado para disfarçar o desagrado na sua voz.

- Nós temos que falar. – Disse, para a minha mãe, puxando-a para o escritório. Entrámos e eu fechei a porta. – É melhor sentares-te.

- Melanie, és capaz de me explicar o que é que aqueles delinquentes estão a fazer na nossa casa?! – Perguntou ela, chateada, sentando-se numa cadeira.

- Eles estão cá porque eu os trouxe, mas isso não importa. Como é que pudeste mãe?!

- Não estou a perceber querida.

- Claro que não. Vamos clarificar então… como é que me pudeste esconder a verdade sobre quem sou?!

- Continuo sem saber do que é que estás a falar Melanie…

- Eu sei de tudo mãe! – Gritei. – Eu sei sobre os poderes, sobre a história de família, sei que conhecias a mãe do Jason e do Bryan, sei de tudo… o que tu nunca me contaste. – A minha voz agora para o fim soava desesperada, apesar de eu tentar soar zangada.

- Como?

Baixei a cabeça e abanei-a.

- Como é que pudeste mentir-me assim?! Tens alguma ideia pelo que passei?! Ter pesadelos todas as noites sobre estes monstros aterrorizadores e não saber porquê?! Imagina a minha cara quando descobri que eram reais! Tu devias-me ter dito, não me devias ter mentido, não sobre isto. Tu sabias de tudo deste o princípio! Sabias o que eu tinha que fazer um dia e nunca mo disseste! – Agora já não me precisava de esforçar muito, via-se perfeitamente que estava chateada. Explodi um livro qualquer que lá estava.

- Eu sei… deixa-me explicar, por favor Melanie.

- Força, estou ansiosa por ouvir o que vai sair daí.

- Eu sabia o que eventualmente irias ter que fazer, não to contei porque esperava que se te afastasse dessas pessoas, nunca irias ter que descobrir.

- “Essas pessoas”?! Essas pessoas foram o melhor que me aconteceu desde sempre! Foram elas que me ajudaram quando tu não o fizeste! Então era por isso que não gostavas que me desse com eles, porque sabias que ia lutar ao lado deles… tu tiveste o descaramento de quando eu te disse que gostava de ter poderes mágicos, quando ainda era pequena, de me dizeres que a magia não existia! Eu não acredito em ti.

- Melanie, por favor…

- E quando comecei a namorar com o Jason… e tu deste-me sempre milhões de razões para me afastar tanto dele como de Bryan… enquanto tudo o que tinhas que fazer era dar-me uma. Dar-me esta…

- Por favor querida…

- Por favor?! Por favor digo eu. Tu sabes o que eu vou ter que fazer, sabes o porquê de ter estes poderes! Eu estou assustada mãe. Estou assustada porque agora vou ter que matar o Diabo e não faço a mínima ideia como, porque nunca ninguém me preparou!

- Mel, tenta entender o meu lado.

- Eu tentei… por 22 longos anos… agora? Agora sinto que já entendi tudo o que tinha a entender. – De repente passou-me uma coisa pela cabeça. – O pai não sabe disto pois não?

- Não…

- Bonito, 30 anos de casamento e nunca lhe disseste. Isto é impossível. Tu vais dizer-lhe. Tens até amanhã de manhã, se não disseres, eu digo. – Apesar de me custar, um ultimato era exactamente do que ela estava a precisar.

Saí de lá e bati com a porta. Dirigi-me ao hall, de onde ouvia as vozes do meu pai, de Jason e de Bryan.

- Vamos embora. – Pedi, olhando para Jason, com uns olhos de quem estava a implorar.

- Claro. – Respondeu ele.

- Já? Melanie, já não te via há quase dois anos, não te podes ir já embora… - Disse o meu pai.

- Não vou estar longe. – Vi a minha mãe a dobrar a curva. – Venho ter cá a casa amanhã de manhã, prometo.

- Onde é que vão ficar?

- Num hotel qualquer, não te preocupes pai…

- Nem pensar. Ficam aqui, a casa chega perfeitamente para vocês os três. Há quartos de sobra, por isso, que me dizes?

- Pai eu…

- Vai ser óptimo. – Respondeu Bryan. – Assim vais ter mais tempo para estares com os teus pais Melanie.

- Sim, é uma ideia perfeita. Então, onde são os nossos quartos? – Perguntou Jason, esfregando as mãos.

Subimos as escadas, eu a resmungar por ter que lá ficar.

Consuela levou Jason e Bryan aos quartos de hóspedes enquanto eu entrei no meu. Continuava tal e qual como o deixara quando saí de casa. Continuava com a cama ao centro, com uma colcha cor-de-rosa e prateada e o espelho enorme na parede lateral esquerda, a parede por onde se entrava. O roupeiro, castanho-escuro, enorme, continuava no mesmo sítio, com um puff preto à frente. Fui à varanda e vi aquela enorme árvore, que em tempos foi a minha melhor ajudante de fuga, quando queria sair de casa às escondidas.

Jason e Bryan foram ter comigo ao quarto enquanto eu estava a ver a pilha de CDs que tinha em cima da secretária.

- O teu quarto não mudou nada. – Disse Jason, admirado. – Uau… tantas memórias…

- Pois é. – Concordei. Quando olhei para eles, já estavam bem acomodados, sentados na minha cama.

Abri uma pequena caixinha que estava também em cima da secretária e vi-o.

– Jason olha. – Disse, virando-me para ele. – O meu amuleto da sorte. – Na minha mão estava um anel feito para o dedo de uma rapariga de cinco anos, com uma pedrinha em cima.

- Não acredito, ainda tens isso?! – A pergunta dele não foi bem uma pergunta, foi mais uma demonstração de admiração.

- O que é isso? – Perguntou Bryan.

- É um anel que o Jason me deu quando éramos mais novos e brincávamos no parque. – Esclareci.

- Ahh, aquele de que me falaram, quando foram na busca…

- Esse mesmo. – Disse Jason.

Consuela veio-nos chamar para o jantar e nós descemos e sentámo-nos na mesa. Já estávamos quase a acabar quando tocaram à campainha e segundos depois de Consuela ir abrir, vi Vicky entrar na sala de jantar.

- Esta menina diz ser amiga da menina Melanie… - Disse Consuela, um bocado atrapalhada. – Eu disse para ela esperar à porta, mas ela não ligou nenhuma.

- Não faz mal. – Disse eu, engolindo uma garfada de comida. – É a Vicky, uma amiga minha. Vicky, os meus pais, pais, a Vicky. Ela é como um anjo. – Disse eu, olhando para a minha mãe, que baixou os olhos para o prato.

- Nesse caso, bem-vinda. – Disse o meu pai. – Nós já estamos a acabar mas quer comer qualquer coisa?

- Não obrigada, vim mesmo só ter com eles. – Respondeu Vicky, olhando para mim.

- Mas há algum problema? – Perguntou Bryan.

- Não, estava só curiosa. – Respondeu ela, deixando-nos mais descansados.

Consuela preparou o outro quarto de hóspedes para Vicky ficar, apesar desta não dormir.

Depois do jantar fomos todos para a sala de estar, excepto a minha mãe, que alegou ter uma enxaqueca terrível e subiu. Corri até ela.

- Ainda não contaste ao pai pois não? – Perguntei, desagradada.

- Melanie, eu não vou estragar trinta anos de casamento por uma coisa que não interfere com a vida dele.

- Mas vai interferir, não percebes? Mais cedo ou mais tarde vai haver qualquer coisa!

- Estou cansada, e dói-me a cabeça, vou dormir. Tem uma boa noite.

Saí de ao pé dela e dirigi-me à porta de saída.

- Onde é que vais? – Perguntou Jason, vindo da sala de estar.

- Eu preciso de sair, de espairecer.

- Ok… espera um minuto, eu vou contigo.

- Não. Desculpa eu… eu quero ir sozinha. Desculpa…

- Ok… bem, eu não insisto. Queres as chaves do Opel?

- Não… tenho a certeza de que quando acabar não vou estar em condições de conduzir.

Saí, deixando-o ali especado, a olhar para mim e devo ter andado pelo menos por uma hora, até que acabei por entrar num bar. Apesar de normalmente em L.A. as coisas serem muito para cima, este bar era muito rasca. Estava decorado em tons de cinzento e tinha umas letras metalizadas, vermelhas, ao longo das paredes. Estava praticamente vazio. Sentei-me ao bar.

- O que é que lhe posso trazer? – Perguntou o empregado.

Ponderei um pouco antes de pedir, mas já estava muito próxima do limite de coisas que podia suportar, se é que ainda não o tinha passado.

- A coisa mais forte que tiver. – Respondi.

- Noite má? – Perguntou, pondo-me um shot em cima do balcão.

- Na sua perspectiva, ano mau. – Respondi, bebendo o shot. – Pode trazer mais um.

Passado um tempo, já tinha bebido metade da garrafa.

- Ouça, eu não me quero intrometer, mas não quer que chame ninguém? Ou talvez um táxi…

Pus cinquenta dólares em cima do balcão.

- Posso levar o resto da garrafa? Eu estou bem, a sério. Pode ficar com o troco. – Agarrei na garrafa, deixando-o à toa, levantei-me e saí.

Eram três e meia da manhã quando ainda estava a andar, pelas ruas, agora já quase desertas. Andava com a garrafa na mão e ia bebendo, como se diz, bebe-se para se esquecer, o problema é que depois é preciso beber mais e mais e chegamos a um ponto em que não conseguimos parar, porque se pararmos, as coisas voltam todas a serem reais. Entrei numa rua completamente deserta.

- Eu quero a carteira e tudo o que tiveres de valor. – Disse um homem.

Virei-me para ele e vi que tinha uma pistola na mão. Devia ter à volta de trinta anos e era muito magro, moreno. As coisas, neste momento, já me passavam completamente ao lado.

Dei-lhe um pontapé na mão, fazendo com que a pistola saltasse.

- Quem é que pensas que és? – Perguntei. Ele estava, agora, completamente amedrontado. – Sem arma não és ninguém, não és assustador, nem temível. És uma anedota e as pessoas têm medo de ti porque não conhecem o que há além de ti, as ameaças maiores. Tu és triste. – Ele permanecia calado, a tremer por todos os lados. – Vai-te embora.

Dei meia volta e continuei a andar, ouvi-o a correr na direcção contrária e levei, uma vez mais, a garrafa à boca.

Acabei na praia, sentada na areia a olhar as ondas, e quando ia a levar uma vez mais a garrafa à boca, reparei que estava vazia.

Eram quatro e quarenta e cinco da manhã quando caminhei de volta a casa. Abri a porta, com cuidado e vi a minha mãe sentada num cadeirão, no hall. Ela acordou ao ouvir-me entrar e veio ter comigo.

- Estiveste a beber até agora? – Perguntou-me ela, escandalizada.

- Não. – Respondi.

- Melanie McKensie, eu não acredito nisto, porque é que farias uma coisa assim?!

- Sabes que mais, sim, estive a beber. E se pensares bem, não é assim tão difícil de descobrir a resposta. Já podes ir para a cama, eu vou fazer o mesmo. – Disse eu, friamente.

Fui para o meu quarto e lentamente vesti o pijama e meti-me na cama.

Acordei com Bryan e Vicky a entrarem no meu quarto em agitação.

- O Jason não está no quarto dele! – Disse Bryan.

- Talvez tenha ido dar uma volta. – Respondi, um bocado resmungona, mergulhando a cabeça nos lençóis.

- Não, nós combinámos que não íamos a lado nenhum sem antes falar contigo, ele não ia sair assim. – Disse Vicky.

Encostei-me à cabeceira da cama e levei a mão à testa.

- Estás bem? – Perguntou Bryan.

- Dói-me a cabeça, estou de ressaca. – Admiti. – Mas continuando, se ele não saiu, significa que foi levado… por quem?

- Ou pelo quê… - Disse Vicky. – Mas eu acho que temos que ir tomar o pequeno-almoço, os teus pais vão ficar desconfiados Mel…

- Tens razão. Mel, enquanto te despachas eu a Vicky vamos dar mais uma olhadela ao quarto do Jason, encontramo-nos lá em baixo, para o pequeno-almoço. – Disse Bryan.

- Ok.

Eles saíram e eu levantei-me e vesti umas calças brancas com uma blusa de alças cor-de-rosa e calcei uns ténis com umas riscas a cor-de-rosa. Fiz uma trança. Quando desci as escadas já estavam todos à mesa, à excepção de Jason. Sentei-me.

- Então, o Jason não vem tomar o pequeno-almoço querida? – Perguntou o meu pai.

- Ele hum… não se está a sentir muito bem… - Disse eu, disfarçando.

- E tu? Não pareces estar com muito boa cara…

- Eu estou bem pai, não é nada de mais. E tu, recebeste alguma novidade? – Apesar de esta pergunta ser dirigida ao meu pai, perguntei-a a olhar para a minha mãe.

- Não. As coisas estão iguaizinhas. Mas há alguma coisa que devesse saber?

- Vinda de mim não.

Servi-me e comecei a comer, sem proferir mais nenhuma palavra.

- Querida… estás bem? Tu pareces… distante, mais preocupada… - Observou o meu pai.

- Não é nada de mais pai, estou só cansada. – Abanei a cabeça. – Cansada de tudo. – Sussurrei.

- Tens a certeza que não é mais nada? Sabes que eu sou muito bom em saber quando não estás bem…

- Não é nada de especial Sr. McKensie, a Mel tem estado apenas sobrecarregada, mas as coisas vão melhorar. – Disse Bryan. – Nós estamos aqui para a ajudar.

- Óptimo. – Disse a minha mãe, finalmente levantando a cabeça. – Era tudo o que ela precisava. Vocês são a razão porque ela está assim!

- Desculpe?! – Disse Vicky, indignada, levantando-se. – Se ela não está bem, deve-se a si, não a nós.

- Ok, já chega! – Gritei, levantando-me repentinamente. – Por favor, dói-me a cabeça e estou cansada, de tudo, estou simplesmente cansada.

- E porque é que te dói a cabeça? – Perguntou a minha mãe. – Porque tenho a certeza que o teu pai iria adorar saber o que andaste a fazer.

- Porque estou de ressaca! – Gritei, olhando para o meu pai. – Porque já não aguento mais. Por isso bebi uns copos a mais. E agora dói-me a cabeça. Mas mãe, tenho a certeza que não é só isso que o pai ia gostar de saber.

- Do que é que estás a falar? – Perguntou o meu pai, já começando a perder a paciência.

- Melanie senta-te. Agora não é a hora certa para isso. – Disse a minha mãe, com um tom autoritário.

- Se não for agora, quando é que vai ser? – Virei o olhar para o meu pai. – Pai… eu sou uma… - Ouvi um barulho ensurdecedor, como se uma série de raios rasgassem o céu vezes sem conta e de repente, à nossa frente, estavam cinco mulheres.

Uma delas, a que estava no meio, usava um vestido preto, até aos pés e as outras usavam vestidos iguais, mas em bordô.

- Quem são vocês? – Perguntou o meu pai, sobressaltando-se. – Saiam da minha casa agora mesmo.

- Pai, acalma-te. – Pedi, metendo-me à frente dele. – Não te vais querer meter com elas…

A esta altura, já estávamos todos levantados, frente a frente com aquelas mulheres, portadoras de uma inexplicável beleza, mas também de uma cruel maldade no olhar. Um delas, a do vestido preto, esticou o braço e mandou um relâmpago para o tecto, fazendo com que o candeeiro caísse.

- O que raios é que se está a passar aqui?! – Perguntou o meu pai, completamente apavorado.

Olhei para a minha mãe.

- Desculpa… - Disse eu. – Sabes que tenho que o fazer, mas eu avisei-te.

Num movimento rápido explodi uma, fazendo com que as outras se comportassem melhor. O meu pai desmaiou, provavelmente devido às emoções.

- Nós não queremos brigar. Temos alguém que vocês querem. – Disse a de vestido preto, provavelmente a líder. – Estamos dispostas a uma troca. – Num estalar de dedos, Jason estava ao lado dela, com algemas nas mãos e correntes nos pés. – Nós somos bruxas. E ouvimos que há aqui uma muito poderosa. O que é que dizes lindinha? Não magoamos os teus amigos e em troca ficas connosco?

Jason estava a abanar com a cabeça e a tentar falar, mas não se percebia nada devido à mordaça que tinha na boca e mesmo que o percebesse, de certeza que não ia fazer o que me pedia. Dei um passo em frente e a minha mãe pôs a sua mão à minha frente, para evitar que continuasse a andar.

- Melanie não! Por ele? Porquê? – Perguntou ela.

- Porque ele é meu amigo mãe. Porque eu gosto dele. Porque ele não fez nada que não merecesse que eu fizesse isto por ele. – Dei mais uns passos e fiquei acerca de cinco metros da bruxa de vestido preto. – Eu em troca dele. Posso confiar na tua palavra?

- E eu posso confiar na tua?

- Não vejo porque não.

- Óptimo. – Estendeu-me a mão e eu agarrei-a. Um enorme flash de luz impossibilitou-me de ver durante alguns segundos e quando abri os olhos estava numa sala muito luxuosa.

- Veste isto. – Disse ela, entregando-me roupa. – Agora és uma de nós.

Baixei a cabeça e dirigi-me para trás de um biombo, para onde ela me tinha apontado para ir e vesti uma saia bordô, até aos pés, com uma racha enorme do lado esquerdo e com uns enfeites a dourado em cima. Vesti também um top, da mesma cor, com apenas uma manga, que era curta. Tinha também uns enfeites a dourado em cima e era curta, mostrava o umbigo. Quando saí de trás do biombo, elas disseram que eu estava perfeita, e deram-me umas sandálias rasas para usar.

Era a hora do almoço e sentámo-nos todas (éramos muito mais de cinquenta raparigas) numa mesa enorme, cheia de carne e de peixe. Elas usavam magia para tudo e eu, sem fazer ideia de como é que me ia livrar daquela alhada, limitava-me a observar as coisas, desconfiada. Depois do almoço, fomos todas para um salão onde me mandaram ajoelhar e ficámos montes de tempo em silêncio enquanto a mulher do vestido preto, que agora já tinha a certeza que era a líder, dizia umas rezas agarrada a um livro muito grosso, com um ar muito velho, de cabedal castanho.

Levaram-me para uma sala e ordenaram-me que esperasse ali. Pouco depois a líder veio ter comigo e disse para eu entrar pela porta à minha direita, que tinha que passar por este teste para me tornar numa delas, como se eu me quisesse tornar numa delas…

Obedeci e quando passei por aquela porta encontrei-me numa arena, como as que aparecem nos filmes de gladiadores, com as bancadas cheias de gente, à volta. Afinal eram muitas mais bruxas que cinquenta.

Olhei para uma bancada que se sobressaía às outras, estava muito mais enfeitada e vi a líder lá sentada.

- O que é isto? – Perguntei, aos gritos. – O que é que se está a passar?!

Vi Jason, Bryan e Vicky entrarem na arena, com uma das bruxas atrás, que sorriu, maleficamente, antes de se retirar e de fechar as portas.

- É o teu teste. Tens que matar, para te tornares uma de nós. – Respondeu a líder.

- Isso não vai acontecer!

- Pois… por isso é que te vamos dar uma mãozinha. – Abriu uma caixa e de saiu de lá um enorme nuvem preta, que veio direita a mim e entrou por mim a dentro.

Foi horrível, sentia o meu corpo a mover-se mas não era eu quem o controlava, lutava para que mexesse a minha mão direita mas a que se movia era a esquerda, por ordem da grande nuvem preta que estava, agora, instalada em mim. Vi-me a ir em direcção aos meus amigos, que se esconderam atrás de pilhas de palha que estavam espalhadas pela arena. Senti um enorme calor, mas era diferente do que sentia quando explodia coisas, era… maléfico. Olhei para as minhas mãos, que se moviam involuntariamente e vi que nelas se tinham formado duas enormes bolas de fogo, que mandei contra duas pilhas de palha, enquanto os tentava encontrar.

- Não!!! – Gritava eu, dentro de mim, aprisionada no meu próprio corpo sem que ninguém me pudesse ouvir.

Nada do que eu queria que acontecesse acontecia, era como se o corpo não fosse meu, como se estivesse em frente à televisão, a ver um filme e gritava para as personagens não fazerem o que iam fazer mas elas faziam na mesma. Como se fosse apenas uma telespectadora.

Finalmente, o meu corpo encurralou-os, ficaram entre mim e um muro. Pareciam umas baratas tontas, sem saberem para onde ir, a tentar sair por algum lado, mas por outro lado, notava-se que não me queriam magoar, apesar de eu, ou o meu corpo, os estar a tentar matar.

Começaram-se a formar de novo duas bolas de fogo nas minhas mãos, uma em cada mão, e quando estiquei os braços, senti uma força enorme dentro de mim, não dentro do meu corpo, dentro do meu espírito, dentro da verdadeira eu, dentro da minha essência, senti uma enorme força e consegui, num acto miraculoso, enquanto a minha mão estava prestes a mandar a bola de fogo contra eles, baixá-la, mandando a bola para o chão. “Não! Não os vou magoar, não vou!” agora sentia-me forte, como uma luz naquela nuvem negra, como uma pontinha de luz no mais profundo dos infernos, e depois, a outra mão dirigiu-se também para o chão. Senti-me a andar à roda.

- Não!!! – Voltei a gritar, já a ser ouvida.

A nuvem negra saiu de mim e dirigiu-se ao chão, onde começou a ser queimada. Senti-me tonta, mas estava de volta ao controlo do meu corpo. Olhei para os meus amigos, que me observavam, visivelmente assustados. Senti uma tontura e caí no chão, de joelhos, esgotada. Jason veio até mim e ajudou-me a levantar-me.

Olhei para a líder das bruxas, que assistia a tudo, incrédula.

- Não é possível. – Dizia ela. – Ninguém consegue lutar contra A Nuvem.

- Não é verdade. – Respondi, explodindo-a, àquela distância toda. – Eu consegui. – Sorri.

Fiz com que o livro de castanho, de cabedal, viesse até a mim e agarrei-o.

- Agora, quem é que quer tentar enfrentar-me? – Ninguém se manifestou. – Óptimo.

Mandei o livro ao ar e explodi-o, para que nunca mais ninguém o usasse como a líder daquelas bruxas usou.

Vicky levou-nos de volta para a minha casa. O meu pai estava no sofá, deitado e a minha mãe ao lado dele.

- Pai… - Disse eu, indo ao seu encontro. – Como é que estás?

- Mais aliviado agora, que sei que estás a salvo.

- Já sabes de tudo? – Perguntei, a medo.

- Já. – Ele parecia mais calmo do que eu pensei que iria ficar. – Acho que me passaram muitas coisas ao lado mas… o essencial já sei. Então és uma… bruxa… e não estou a insultar.

- Eu sei pai.

- Mas isto é perigoso, muito perigoso.

- Eu sei, é por isso que não estou sozinha. E é por isso que treino e planeamos bem as coisas antes de avançar.

- Notou-se. – Disse a minha mãe. – Basta aparecer alguém que queira uma troca e vocês ficam logo dispostos a tudo. Isso não é seguro.

- Ninguém se queixou até agora. – Disse Vicky.

Gemi.

- Que se passa? Magoaste-te? – Perguntou o meu pai, já muito preocupado.

- Não, é a minha dor de cabeça. – Queixei-me.

De súbito, à nossa frente, apareceu Gabriel, sem estar minimamente preocupado se estava a expor-se ou não.

Só vi o meu pai pegar no candeeiro de mesa que estava em cima da mesa pequena ao lado do sofá, levantar-se e dar com ele em Gabriel.

- Então?! Não o matam?! Matem-no! – Dizia o meu pai.

Gabriel, que tinha dado dois passos atrás olhava-nos, sem perceber nada do que se tratava.

- Pai. – Disse eu, aproximando-me dele e tirando-lhe o candeeiro das mãos. – Este é o Gabriel, é um amigo nosso, é um… anjo… como a Vicky.

- Literalmente? – Perguntou ele.

- Sim, literalmente. Eu sou uma bruxa, com amigos caçadores e anjos… é melhor sentares-te, tens que assimilar bem as coisas, vais demorar tempo até te habituares…

- Eu bati num anjo… isso quer dizer que já não vou para o Céu? – Perguntou o meu pai, a olhar para Gabriel.

- Não me cabe a mim decidir isso. – Respondeu Gabriel. – Nós temos problemas.

- Que tipo de problemas? – Perguntou Jason.

- O Stolas está aqui, em L.A.

Engoli em seco.

 

...

E como eu sei que vocês querem é que a Mel e o Jason fiquem juntos de novo, vou dar-vos uma espreitadela do próximo capítulo:

 

(...) Vi Bryan no chão, mas sabia que ele não estava magoado. A minha preocupação estava centrada em Jason (...)

(...) Stolas fez pontaria e mandou a espada, que acertou em cheio em… mim (...)

(...)

- E tu tinhas razão, eu estava com medo… não sei bem do quê, mas estava. Vão embora, eu imploro.

(...)

(...) Afirmei com a cabeça e ele baixou-se e beijou-me apaixonadamente, acreditando, e sem errar, que era a última oportunidade que tinha para me beijar (...)

(...)

– Tu és Deus. – Concluí.

- Sim, eu sou Deus.

(...)

 

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