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Déjà Vu Sobrenatural

por Andrusca ღ, em 21.11.10

Capítulo 32

Assombrações

 

- Bom dia. – Disse Jason, embrulhado numa toalha, enquanto procurava nas gavetas por roupa para vestir.

Espreguicei-me.

- Bom dia. – Retribuí, enquanto bocejava.

Ele aproximou-se e deu-me um beijo.

- Dormiste bem? – Ultimamente não tinha muitos pesadelos, por isso ele perguntava-me isto muitas vezes.

- Para dizer a verdade sim. Nem um sonho.

- Fico feliz por ti.

Levantei-me e calcei os chinelos. Fui tomar um banho rápido e depois embrulhei-me numa toalha e usei uma mais curta para embrulhar o cabelo. Voltei para o quarto e escolhi o que vestir. Optei por um vestido branco, curto e cai-cai. Calcei umas chinelas castanhas, com cunha. Pus o meu colar habitual e umas pulseiras castanhas. Voltei para a casa de banho e pus-me de cabeça para baixo a limpar o cabelo com a toalha, para depois o secar. Levantei a cabeça e vi que o espelho ainda estava muito enevoado, do vapor da água do meu banho. Agarrei na toalha e limpei o espelho, desatando a gritar em seguida. Deixei cair o secador de cabelo, o que fez um estrondo da mesma intensidade do meu grito.

Vicky, Phil e Bryan entraram na casa de banho alarmados.

- Que aconteceu? – Perguntou Phil.

Continuei a observar o espelho. Estava lá eu, como era óbvio, e eles, mas a minha feição estava diferente, estava maníaca, maldosa… demoníaca. Tinha um daqueles sorrisos psicopatas e maldosos, como aparecem nos filmes de terror e olhava para eles, apesar da verdadeira eu estar a olhar em frente.

- Há uma coisa estranha no espelho. – Murmurei. Porém, a boca da minha figura não se moveu.

- O quê? – Perguntou Vicky, aproximando-se.

A minha imagem partiu um vidro, também no reflexo e cortou o pescoço ao reflexo de Vicky.

- Não! – Gritei. – Pára com isso!

- Mel, o que é que se está a passar? – Bryan estava, agora, também ao meu lado.

O meu reflexo piscou-me o olho e depois aquelas feições desapareceram, fazendo com que se mostrassem apenas as minhas feições preocupadas e aterrorizadas.

Vicky estava normal, ainda sem perceber nada, ao meu lado. Bryan e Phil olhavam-me, assustados.

- Vocês não viram aquilo? – Perguntei, com a voz a falhar-me, enquanto esticava a mão para tocar no espelho.

- Vimos o quê? – Perguntou Vicky, suavemente.

- No espelho… oh Deus…

- O que é estava no espelho? – Perguntou Phil.

- Problemas…

Contei-lhes sobre o destroçamento que a minha cara tinha sofrido, no reflexo do espelho, e sobre ter cortado o pescoço a Vicky, mas como já era de esperar, disseram que eu devia estar a ver mal, ou que devia ter imaginado. Se não tivesse visto, nem eu acreditaria.

Jason não estava em casa, e quando lhe contei, apesar de me tentar não magoar com as palavras, acabou por não acreditar em mim.

Depois do almoço fui para o quarto e deitei-me na cama a ouvir música.

Os meus olhos começaram a percorrer o quarto, até pararem no espelho. Vi a minha imagem a olhar para mim, com os mesmos olhos arregalados e aterradores e o sorriso maléfico que de manhã. Fiquei toda arrepiada e virei a cara, num incentivo para evitar ver aquela imagem de novo, mas para meu enorme espanto, vi-o reflectido no copo com água que tinha em cima da mesa-de-cabeceira. Ao virar a cara de novo, aterrorizada, rolei demasiado e caí da cama.

A cara estava em todo o lado, em todo o lado que pudesse reflectir qualquer coisa.

Respirei fundo, levantei-me e saí do quarto a correr pelas escadas abaixo. Só estava Bryan na sala, e era exactamente a pessoa com quem precisava de falar.

Recuperei o meu ritmo cardíaco normal e depois aproximei-me dele. Ele olhou para mim, intrigado.

- Está tudo bem? – É óbvio que já sabia a resposta.

Sentei-me ao seu lado, no sofá.

- Bryan… eu preciso da tua ajuda.

- Para… - Incentivou.

- Descobrir o que aquilo no espelho é.

Ele revirou os olhos e inspirou, expirando pesadamente em seguida.

- Essa conversa outra vez Mel? Tu devias estar a ver mal ou coisa assim…

Pus um joelho em cima do sofá e virei-me para ele.

- Bryan, eu não vi mal, sei o que vi, acabei de ver outra vez…

- Onde?

- No meu quarto. No espelho, no copo de água, até na parte de cima do portátil… em todos os sítios onde é possível haver um reflexo.

- Tens a certeza disso?

- Eu vim a ti porque sei que sabes tudo o que há para saber sobre estas coisas. Tu és tipo uma enciclopédia de demónios…

- Nem por isso.

- Mas conheces a maioria deles… por favor…

Ele virou-se para mim e encarou-me.

- O que é que vês quando olhas para o espelho?

- Eu. – Revirou os olhos. – Mas não normalmente. A minha cara fica assustadora, maligna, com olhos de psicopata e sorriso de assassina.

- Mel…

- Estou a falar a sério!

- E o que é que essa… imagem, faz?

- Cortou o pescoço ao reflexo da Vicky, na casa de banho, mas tirando isso limita-se a sorrir maleficamente…

- Então, basicamente, estás-me a dizer que a Bloody Mary (Maria Sangrenta) te anda a perseguir?

- A Bloody Mary existe? – Havia espanto na minha cara, mas desvaneceu-se assim que vi o gozo estampado na dele. – Pára de gozar comigo!

Empurrei-o devagar e fiz cara de amuada.

- Tudo bem, desculpa… - Desligou a TV. – Olha para a televisão, o que é que vês?

Obedeci e observei durante uns tempos.

- Então? – Insistiu.

- Eu vejo-me a mim… e a ti.

- E tu estás-me a matar?

- Não… mas não quer dizer nada.

- Eu acho que tu acreditas mesmo que viste qualquer coisa, acredito vivamente nisso, mas podes estar a acreditar mal…

- Sabes que mais? Tanto faz, já percebi que daqui não levo nada. – Levantei-me e comecei a andar em direcção ao corredor.

- Mel…

- Não… apenas, esquece isto.

Saí da casa e fui para as traseiras, tirei a minha Desert Eagle e comecei a disparar contra uma árvore. Gabriel apareceu poucos minutos depois de eu o ter chamado.

- Precisas de alguma coisa? – Perguntou.

- Que espíritos é que se podem manifestar através de espelhos? – Não tinha paciência para rodeios.

- A Bloody Mary… - Seguiu-se um risinho.

Virei-me para ele, e, de certeza que já não estava com uma cara muito paciente.

- Gabriel… a Bloody Mary não é real… - Usei uma voz não amigável para que ele percebesse quão chateada já estava.

- Quem é que te disse isso?

- Bem… mesmo que exista, não é ela, porque eu não me fui pôr em frente a um espelho a dizer o nome dela três vezes para que ela viesse a mim e me matasse! Preciso de outros…

- Todos os espíritos têm maneiras distintas de se manifestarem, mas quando se diz respeito aos espelhos… qualquer um os pode usar. Um espelho é como um portal para outra dimensão, como se diz na linguagem corrente.

- Qualquer um?

- Sim, para assombrar alguém, matar… ou mesmo só para se divertir…

- Óptimo… e há alguma maneira de saber quem é?

- Depende de como se parece.

- Parecesse-se comigo! É o meu reflexo. E não digas que estou maluca.

- Não vou. Mas não posso ajudar mais, porque não sei como. Mas boa sorte para isso… - E desapareceu.

- Perfeito. – Murmurei, dando outro tiro na árvore.

Subi para o quarto e tentei pesquisar coisas, mas não conseguia porque me assustava e distraía, a olhar para qualquer coisa que fizesse reflexo, à espera de ver mais além da minha cara.

Nada acontecia, o que fazia com que me começasse a perguntar se o que tinha visto era mesmo real, o que me fez começar a duvidar. Afinal, depois de um ano e tal à caça de demónios, não seria normal que os começasse a imaginar em todo o lado para que me virasse? Não! Aquilo era real, tinha que ser, eu não estou nem maluca, nem a alucinar! Eu vi, e lá porque mais ninguém acredita, não quer dizer que não seja verdade.

Depois de pouco tempo, voltou a acontecer, voltei a ver aquele assustador reflexo de mim no espelho. Estava na altura de tomar medidas mais drásticas.

Desci as escadas e sentei-me no sofá. Estava esgotada, apesar de ultimamente andar a dormir como um anjo. Quer dizer, tecnicamente os anjos não dormem mas… tenho andado a dormir muito bem.

- Pareces cansada… - Observou Phil, sentando-se ao meu lado.

- Um bocado, mas não só.

- Mas pensava que andavas a dormir bem…

- E ando… bem demais até.

- Vá lá, podes falar, o que é que te anda a apoquentar?

- Os meus sonhos Phil.

- O que é que têm?

- Nunca mais tive nenhum… desde que morri.

Ele franziu o sobrolho.

- Mas pelo que disseste, Deus trouxe-te de volta. Por isso é que ninguém, excepto tu, se lembra de nada.

- Eu sei mas… pensa Phil, já é a segunda vez que morro e que volto… e se… e se estiver alguma coisa errada comigo? E se os meus sonhos sofreram alguma coisa com isso?

- Não há nada de errado contigo.

- Às vezes tenho medo que quem morre e volta tantas vezes, pode não voltar igual.

- Mel, tu estás só stressada. Tu já usaste os outros poderes certo?

- Sim mas… eu sei que os pesadelos são esgotantes e até irritantes, mas são quem eu sou, e agora que não os tenho já há um certo tempo… sinto-me diferente, esquisita.

- Talvez só precises de relaxar um bocadinho. Vais ver que eles voltam a aparecer.

- Nunca pensei dizer isto, mas espero bem que sim.

Não havia nada de jeito para fazer e só estavam a dar coisas repetidas na televisão. Desliguei-a, evitando olhar depois, e subi para o quarto com os olhos presos ao chão.

Deitei-me na cama a ouvir música e poucos minutos depois Jason entrou no quarto, fazendo uma cara de espanto em seguida.

- O que é isto Mel?

- Bem… decidi cobrir tudo. – Sabia perfeitamente que se referia ao facto do espelho estar coberto por um lençol e tudo o resto que pudesse reflectir qualquer coisa também. – Como não sei o que é que me está a fazer isto, decidi cortar o mal pela raiz.

- Estás bem? – No entender da sua voz, parecia estar-me a chamar maluca.

- Estou óptima. – Assegurei, sem qualquer convicção.

- Ok… eu vou lá para baixo, vim só ver se estavas bem.

- Ok. Daqui a um bocado já vou lá ter.

- Acho que era boa ideia aproveitares e dormires um bocadinho não?

- Engraçadinho. Eu estou bem, acredita.

Depois de ele sair voltei a mergulhar na música, e nos meus pensamentos sobre o espelho e os sonhos. Ouvi um ruído, como se estivessem a bater a uma porta, mas vindo do espelho.

Levantei-me e caminhei lentamente, até ficar frente-a-frente com o espelho. Estiquei o braço e agarrei no lençol, mandando-o para o chão em seguida. À minha frente estava o meu reflexo, como normalmente, mas não se movia da maneira como eu me movia, em vez disso, ria-se e olhava para mim.

- Quem és? – Perguntei, toda a tremer.

O reflexo esticou o braço, como se fosse para me dar a mão. “Nunca dês a mão a uma imagem misteriosa que aparece num espelho” era o tipo de coisa que devia haver nos manuais de sobrevivência de caçadores, se houvessem esses manuais.

Estiquei o braço, pronta a tocar no espelho com a mão. “Por favor não me faças nada, por favor não me faças nada”, pensei, repetidamente. Não lhe podia facilitar tanto ao ponto de me entregar completamente, mas se não o fizesse então iria continuar a ser assombrada pelo meu próprio reflexo, e isso não podia continuar durante muito mais tempo.

Conforme toquei no espelho senti um enorme puxão e súbito já não estava no meu quarto, estava num sítio completamente cinzento, e não conseguia distinguir paredes ou se estava apoiada no chão ou a flutuar.

Ouvi um risinho atrás de mim e virei-me. Estava lá outro espelho, com a minha imagem. Aproximei-me e reparei que estavam espelhos em todo o lado, mas em vez de me ver normalmente, via a imagem aterradora de mim que via pelos espelhos da casa de Phil.

- Isto não é bom… - Murmurei.

Não fazia ideia de onde estava, e muito menos de como sair de lá. Toda a gente sabe que não se dá a mão a imagens aterradoras, mas se alguém tem que o fazer, é a Mel, sou eu. Porque é que não posso simplesmente ficar quieta e não fazer nada?

- Marco… - Gritei.

- Pólo. – Completou um sussurro.

Marco-Pólo era um jogo que costumava jogar quando era mais pequena, uma pessoa dizia “marco” e a outra dizia “pólo” e a primeira tinha que a encontrar através do som.

- Aparece, aparece, onde quer que estejas…

- Tu vais morrer. – Sussurrou de novo.

- E porquê?

- Porque tens medo… do teu próprio reflexo…

Medo do reflexo… medo do REFLEXO! Claro! Era o demónio do reflexo. Não tinha pesquisado sobre ele porque estava concentrada em espelhos, apesar de não ser só aí que o via. O demónio do reflexo é tipo uma Bloody Mary, mas não nos mata como ela, ou mataria, se é que ela existe. Ele leva-nos para uma dimensão paralela e faz vários jogos psicológicos, até que a vítima se rende e acaba por morrer. Normalmente cortam-se nos espelhos. Mas como é que se pode matar um reflexo? Afinal, este demónio não tem propriamente corpo… usa o corpo das outras pessoas, usa os seus… reflexos.

Olhei em volta. Estava completamente rodeada de espelhos. O que aconteceria se os espelhos daquela realidade, da realidade deste demónio, se partissem? Ele não conseguiria passar para a outra realidade, para a minha realidade.

Comecei a explodir os espelhos, um a um, e a imobilizar os pedaços de vidro que vinham direitos a mim. Quando cheguei ao último, observei-o, cuidadosamente.

- És apenas um reflexo. – Murmurei. – Por isso boa sorte em ficares aqui para a eternidade.

- Não… - Gritou ele, estridentemente.

Explodi o último espelho e numa fracção de segundo estava de novo no meu quarto, em frente ao espelho. Sorri e observei a minha figura. Levantei o braço esquerdo e deitei a língua de fora, e o meu reflexo fazia exactamente como eu, o que era uma sensação esplêndida e inexplicável. Destapei tudo e depois voltei para o andar de baixo. Jason, Bryan, Phil, Vicky e Gabriel estavam na sala, com ar de caso.

- Aconteceu alguma coisa? – Perguntei.

- Têm desaparecido várias pessoas ultimamente aqui nestas zonas. Achamos que pode ser o demónio do reflexo mas não fazemos a mínima de como o matar. – Explicou Bryan.

- Oh! – Fui apanhada completamente de surpresa. – Não se têm que preocupar com esse. – Assegurei. – Já está nos anjinhos… por assim dizer.

- Que queres dizer? – Jason parecia confuso, e não era o único.

Depois de lhes explicar tudo e de jantarmos, voltei para o quarto e adormeci num instante, estava esgotada do dia que tinha tido.

Acordei sobressaltada e toda transpirada na cama. Jason acordou ao mesmo tempo que eu, provavelmente gritei.

- O que é que se passou?

Sorri incontrolavelmente. Sei que não é propriamente uma coisa boa, mas para mim, não deixava de ser um alívio.

- Tive um pesadelo! – Exclamei, ainda com a felicidade patente na cara.

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