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Our Scars

por Andrusca ღ, em 22.08.11

Espero que gostem, acho que é um capítulo... importante (?)

É também o único do dia (a)

 

Capítulo 12

Prova de Confiança

 

- Onde é que vamos? – Perguntei, desconfiada.

Já estávamos a andar há uns tempos, e a paisagem teimava em não mudar. Olhasse para onde olhasse, tudo o que via era mato, árvores, ervas, e pedras. Havia imensas pedras. Conseguíamos ouvir o chilrear dos pássaros, mas no entanto não dava para se avistar nenhum. As árvores eram muito pegadas umas às outras, e havia zonas em que nem o céu se conseguia ver de onde estávamos.

- Caleb – queixei-me, suspirando. Ele parou de andar e voltou-se para mim – Estamos a andar há séculos, mas para onde é que me estás a levar?

- Estamos quase lá – prometeu – Vais gostar, é afastado de tudo, nunca lá vi ninguém. É calmo.

Respirei fundo e revirei os olhos, enquanto o via sorrir e era contagiada por esse mesmo sorriso. Ele estava a fazer isso bastantes vezes, ultimamente. Sorria mais, soltava-se mais. Quando o ilibaram do assassínio de Dana foi como se um peso enorme saísse dos seus ombros, e eu consigo perceber plenamente o porquê. Mas mesmo assim, não o deixavam em paz. Aparentemente as pessoas nesta cidade são muito mesquinhas. Mesmo ilibado, continuam a tratá-lo como se fosse culpado. Como se fosse uma aberração. E eu conseguia notar perfeitamente o quanto isso o magoava.

- Anda lá, pára de te queixar – pediu, enquanto andávamos mais e mais.

Finalmente, quando desviou uns arbustos e me ajudou a passar por entre eles, vi algo mais a não ser vegetação. O solo agora era praticamente apenas de areia, e estávamos num género de falésia. Aproximei-me da extremidade e espreitei. Mar. Em baixo de nós apenas o mar se alongava.

- Tem cuidado – advertiu-me Caleb – É uma queda mortal.

Sorri para comigo mesma ao imaginar Caleb a dizer isto a alguém como Tess, ou Claire. Estarem sozinhas aqui com ele, com o seu ar sempre misterioso, a dizer que a queda era mortal, e com a capacidade de simplesmente as empurrar lá para baixo. Ninguém nunca saberia. Mas eu sabia que ele não era assim. Posso até arriscar a dizer que estou a começar a conhecê-lo melhor. Consigo ver o que o magoa, e o que o faz sorrir, tal como ele conseguiu ver em mim logo após as primeiras vezes que me viu. Voltei-me para ele e sorri. De novo, ele era a única pessoa a quem eu sorria com vontade, e esse foi um dos motivos que me fez não me afastar dele. Precisava da maneira como me fazia sentir. Mais leve. Melhor. Menos deprimida.

Sentámo-nos encostados a uma pedra grande, e o silêncio começou a reinar. Mas não era aquele silêncio desconfortável como no princípio. Não. Arriscaria até a dizer que este sabe bem. É familiar, conhecido, cúmplice.

Comecei a mexer no pulso direito, com a outra mão. A maquilhagem estava a sair, mas não me apetecia minimamente sair de ao pé de Caleb para voltar a ir esconder as cicatrizes. Só agora, sentada ao lado do rapaz que se vestia sempre de escuro, tinha uma aparência suspeita e era chamado de “assassino” por muitos, é que reparei o quão esgotante esconder as cicatrizes era. O tempo que perdia, as preocupações que tinha. Dei por mim a pensar se valia a pena. “Claro que vale a pena. De outra maneira chamar-te-iam nomes a ti”, interveio o cérebro. E ele tinha razão. E eu não estava pronta para isso.

Olhei para o lado, ele brincava com uma pedra, mandando-a depois pela falésia abaixo.

- Há alguns meses fiz uma coisa estúpida – murmurei, fazendo-o olhar para mim. Mas não me atrevi a encará-lo, apenas o sabia por sentir o seu olhar pregado a mim – A minha avó materna morreu, a única que alguma vez conheci, e deixou-nos esta enorme fortuna. Não que fôssemos pobres mas… era muito dinheiro mesmo. No primeiro mês aproveitámos, divertimo-nos, todos em família. Mas houve um dia em que o meu pai nunca voltou para casa, e eu apenas soube – não sabia porque lhe estava a contar isto, mas sabia bem falar sobre o assunto, mesmo que por uma vez. Desabafar. – Ele fugiu com a herança que fora deixada à minha mãe. Dias depois todos nas redondezas sabiam, os meus amigos, todas as pessoas na escola… de súbito eu era pobre. Não passava fome mas… não podia fazer mais que o imprescindível. A minha mãe ficou pior que mal, todas as noites tomava um comprimido e só acordava tarde de manhã, não falava, não queria comer. O meu namorado acabou comigo. Lembro-me explicitamente de ouvir “não posso andar com uma pobre Dawn, desculpa gata” antes de o ver começar a atirar-se à rapariga que dizia ser minha melhor amiga. Claro que ela também me abandonou, em conjunto com todas as outras pessoas.

- Dawn… - aí sim, olhei para ele, e vi que me encarava de uma maneira curiosa.

- Deixa-me terminar – ele assentiu com a cabeça – Isso não foi o pior. Eu podia ter aguentado a pobreza, podia ter lidado com os meus “amigos” a falarem mal de mim nas costas… o pior foi que o causador de tudo isto foi o meu pai – nisto perdi o controlo e uma lágrima escorreu-me pela bochecha – Desde sempre que o via como um herói, sabes? O meu melhor amigo, o meu companheiro, o único que sempre alinhava nas minhas ideias. O meu porto seguro. E depois ele foi-se. Abandonou-nos em troca de dinheiro. De ganância. Num dia eu apenas… não consegui aguentar. Estava tão farta de tudo, tinha atingido o limite, tinha-me enfiado num buraco tão escuro e fundo, e não conseguia sair de lá. A minha mãe estava trancada no quarto, e as facas estavam mesmo ali. Tão afiadas, tão… era uma saída fácil. Foi uma estupidez, eu… agarrei numa e por momentos não tive a certeza do que ia fazer, até que deixei de raciocinar e me deixei levar pelas emoções.

Suspirei e ele agarrou-me na mão, que eu rapidamente retirei das dele, para esfregar o pulso, deixando à vista aquelas cicatrizes rosadas, que virei para ele, perante o seu olhar chocado.

- Lembro-me do sangue a sair a uma velocidade extraordinária e… e lembro-me de me arrepender nos últimos segundos, de o meu pensamento ser que não queria morrer – continuei, deixando mais uma lágrima escorrer-me pela face – Acordei um dia depois, no hospital. A minha mãe tinha-me encontrado, e depois fiquei internada por duas semanas. Tive acompanhamento psicológico, e quando finalmente me deram alta decidimos pôr tudo para trás das costas. Mas não conseguimos. Quando voltei para a escola… - suspirei e abanei a cabeça, dirigindo agora o meu olhar para o céu – foram os piores dias da minha vida. A maneira como as pessoas olhavam para mim, a maneira como sussurravam… parecia que eu era uma aberração. E foi quando nos mudámos para cá.

- Porque é que me estás a contar isto? – Perguntou, com uma voz calma e sincera, enquanto passava com o seu dedo pelas minhas cicatrizes.

- Porque… às vezes para recebermos algo, temos que dar algo em troca. E além disso, eu confio em ti – vi-o formular um pequeno sorriso.

- Se alguém te ouvisse agora, de certeza que te chamaria louca – brincou, fazendo-me sorrir também, levando em seguida o seu dedo à minha bochecha, limpando-me as lágrimas – Toda a minha vida tenho sido diferente. Não sei, parece que simplesmente não me encaixo naquelas pessoas. E por isso não forço para que isso aconteça. A Dana foi a primeira que tentou compreender, mas sinto que tu foste a primeira que na verdade conseguiu. Essa foi também a razão para nós não termos dado certo, tentámos mas… não era suficiente. Ficámos amigos, no entanto. Naquele dia tínhamos combinado encontrar-nos na casa dela, e quando lá cheguei encontrei-a. Eu não a matei. Não matei.

- Eu sei – confirmei, enquanto o via continuar a brincar com o meu pulso.

- Desde que me lembro que me sinto como um intruso, alguém que não pertence a tais sítios, mas quando estou contigo esqueço isso. E isso é bom. Eu gosto disso.

Sorri.

- Eu também – afirmei – Quando vi a maneira como te tratavam… eu não sei, eu só… voltou tudo com tanta força. E tu não te parecias como um assassino, reconheci-te como alguém que mais facilmente se matava a si próprio que a outro ser humano.

- Obrigado por partilhares isso comigo – sorriu.

- Obrigado por ouvires – agradeci, sorrindo também, e limpando mais uma das lágrimas que me tinham fugido ao controlo.